Covid-19

Variante “italiana” de SARS-CoV-2 originou cerca sanitária

A implementação de uma cerca sanitária no concelho de Ovar terá evitado a propagação da designada estirpe italiana do Coronavírus a outras zonas do país. Apesar da identificação desta variante genética em 11 distritos, esta “só não se espalhou” para o sul país devido “às medidas fortíssimas, muito rigorosas” de saúde pública adotadas, “inclusive a cerca sanitária em Ovar, que criou uma espécie de estrangulamento à sua propagação original”, explicou esta semana, João Paulo Gomes, coordenador de um projecto de investigação coordenado pelo Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge (INSA), que visou monitorizar a diversidade genética do novo coronavírus, especialmente durante os primeiros meses da epidemia.

O arranque da epidemia em Portugal foi marcado pela “disseminação massiva” de uma variante do SARS-CoV-2 com uma mutação específica, que começou a circular nas regiões Norte e Centro mais de uma semana antes do diagnóstico dos primeiros casos.

Esta conclusão faz parte do “Estudo da diversidade genética do novo coronavírus SARS-CoV-2 em Portugal”, divulgado esta semana em conferência de imprensa.

Os primeiros resultados do estudo, que já analisou 1.785 sequências do genoma do novo coronavírus, revelam que “o início da pandemia em Portugal se caracterizou pela disseminação massiva de uma variante do SARS-CoV-2 com uma mutação específica na proteína Spike”, que tem sido objecto de investigação e o principal foco da vacina por ser responsável pela ligação do vírus às células humanas, permitindo a infeção.

Esta variante “D839Y” do SARS-CoV-2 terá entrado em Portugal, no Norte e Centro, “por volta do dia 20 de fevereiro, associada a umas viagens a Itália, especificamente à região da Lombardia”, disse à agência Lusa o coordenador da investigação, João Paulo Gomes.

“Terá circulado de uma forma um bocadinho descontrolada, ou pelo menos não detetada nessas zonas do país, e terá originado um espalhamento massivo e uma série de cadeias de transmissão antes ainda de os primeiros casos terem sido reportados em Portugal”, adiantou o coordenador do estudo.

Os primeiros casos foram reportados no dia 2 de março, um associado ao Hospital de Santo António e outro ao Hospital de São João, no Porto, mas não estão ligados à “D839Y”. “Portanto, isto começou muito antes, não temos dúvidas”, disse o investigador do INSA.

Esta mutação propagou-se durante dias sem que as autoridades portuguesas de saúde se apercebessem.

“Durante a fase exponencial da pandemia em Portugal, que basicamente foi em março e nos primeiros dias de abril, ela [a variante] chegou a corresponder a 33% dos casos em determinados dias, 3% de todos os casos tinham esta mutação, e em dados cumulativos, nós calculamos que em 09 ou 10 de abril, esta mutação estivesse presente em cerca de 4.000 pessoas com covid-19”, salientou.

Para o investigador, este pode ser “um óptimo modelo” para perceber como tudo começou, como a infecção se espalha e “o quão importantes são algumas medidas tomadas na hora certa”. Considerou ainda que se as medidas tivessem “sido um pouco antecipadas teriam resultado melhor ainda”, mas na altura não havia dados que as justificassem.

“Agora, com estes modelos e com estes resultados, sabemos que, de facto, uns dias antes, se calhar ter-se-iam evitado muitas cadeias de transmissão, muitos internamentos, muitas infecções no geral”, sustentou.

O presidente da Câmara Municipal de Ovar, Salvador malheiro, recorda que “o nosso Município chegou a ter 537 casos activos quando, no nosso país, existiam 16.534, portanto, Ovar representava 3,24% de todo o país”. Estávamos no dia 14 de Abril. Hoje, Ovar tem 42 casos activos e Portugal tem 26.939, ou seja, “temos 0,155% do total nacional de casos activos, uma percentagem 20 vezes inferior ao valor de Abril”, nota, concluindo: “Estamos melhor, o País está, infelizmente, pior”.

Para o investigador, “este tipo de análise retrospectiva, feito a uma escala sem precedentes em Portugal, pode ser utilizado como ‘trunfo’ de combate em situações futuras, seja numa segunda vaga de covid-19, seja em outras eventuais epidemias”.

O estudo, financiado no âmbito da primeira edição do programa de apoio Research4Covid, conta com a participação de mais de 60 hospitais/laboratórios de todo o país.

(actualizado no dia 05.10.2020 com declarações de Salvador Malheiro)

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