Rui Palavra diz que se tratou apenas de “salvar o próprio clube”
O presidente da Associação Desportiva Ovarense Basquetebol responde que, ao impor a renúncia da equipa sénior feminina à sua posição na Liga, não esteve a discriminar entre atletas homens e mulheres, propondo-se apenas “salvar o próprio clube”.
Em causa está a insatisfação geral das jogadoras e respetiva comunidade de adeptos face a uma decisão que consideram “injusta”, tendo em conta que a formação feminina é reconhecida pela sua prestação de qualidade regular e obteve até o que o próprio presidente do clube considera “um marco importante na história da Ovarense” ao chegar em 2020 à Final Four da Taça de Portugal – para o que contribuíram as gémeas Gabriela e Ana Ipinoza Raimundo, a primeira eleita pela federação Eurobasket como melhor jogadora portuguesa da Liga na presente época e a segunda distinguida com o mesmo título no ano anterior.
Quando confrontado com as situações apontadas pelas atletas como reflexo de discriminação de género dentro do clube, Rui Palavra não negou nenhuma, mas afirmou que até a equipa masculina “terá razões para críticas se lhe derem oportunidade disso” e garantiu: “Não se tratou de escolher entre homens e mulheres – tratou-se apenas de escolher salvar o próprio clube”.
Na origem das atuais mudanças estão as “débeis condições financeiras” da casa, agravadas com as quebras de bilheteira e de patrocínio motivadas pela pandemia de covid-19. Com “cerca de 100.000 euros de dívida” acumulada, a direção da Ovarense decidiu fazer cortes drásticos para conseguir liquidar esses débitos em duas épocas, despediu quatro funcionários que vinham absorvendo 60.000 euros por ano e, ao prescindir do direito das mulheres a disputarem os jogos da Liga, reduziu o orçamento feminino de 31.000 para “cerca de 8.000 euros” por ano.
Com os seniores masculinos também houve cortes, mas Rui Palavra evita revelar números concretos. Diz apenas que os jogadores viram o seu orçamento reduzido “nuns 40%”, continuando, ainda assim, a dispor de “cinco vezes mais” verbas do que a equipa feminina, o que é justificado pelo facto de que “são eles a gerar a principal receita” – com jogos de entrada paga e uma afluência de “1.500 espectadores”, enquanto os dela “são gratuitos e têm 200 pessoas na bancada”.
Rui Palavra também não revela qual a despesa com os “custos de participação” da equipa B masculina, que encara como “um trampolim dos jogadores Sub-18 para a Liga”, mas adeptos do clube ouviram na última assembleia-geral que essa formação custava “7.500 euros por ano, tanto como o orçamento das seniores femininas”.
Assumindo a direção da Ovarense Basquetebol apenas há um ano, quando o clube passou a proporcionar às mulheres aquilo que as próprias jogadoras reconhecem como “melhores condições” (entre as quais balneário próprio, garrafas de água nos jogos, equipamentos personalizados e verbas que as libertavam da necessidade de custear as suas despesas com meios pessoais), o presidente assume que a situação é difícil, mas diz não ser responsável por comportamentos anteriores à sua tomada de posse nem pelas circunstâncias afetas às restrições financeiras que herdou.
“Para quem vinha de fora, notava-se que havia alguma separação, quase como se as equipas feminina e masculina fossem dois clubes diferentes, e tentei corrigir isso dentro do possível. Claro que as raparigas prescindirem da Liga não é justo. Ao pensar o clube como um todo, vai haver injustiças e desigualdades, mas isso é a realidade – não vivemos num mundo ideal”, defende.
A indiferença da massa associativa quanto as suas próprias responsabilidades também não terá ajudado. “Se 1.700 sócios já era pouco para um concelho com 55.400 habitantes e tanta tradição no basquetebol, pior ainda foi chegar à direção e ver que, desses, só 400 pagavam quotas”, conta Rui Palavra.
O valor da quota é 30 euros por ano. A multiplicar por 1.300 sócios em incumprimento, estão em causa 39.000 euros – o suficiente, portanto, para pagar à equipa feminina um ano na Liga e outro na I Divisão.
Por Alexandra Couto