Qualquer dia é mau para lançar guerras – Por Júlio Roldão
É difícil escrever nesta quarta-feira, dia 16 de Fevereiro de 2022, um dia que teima em não chegar ao fim. Até parece que estou a sentir leucosselofobia, ou seja, em palavras mais baratas, o medo da página em branco. O que me assusta é o medo da guerra, da guerra que foi anunciada para começar neste dia.
Qualquer dia é mau para lançar guerras, mas uma guerra que tem estreia marcada com muita antecedência, como a que está anunciada para começar hoje, perde, pelo menos, a vantagem da surpresa, uma vantagem que julgava ser muito importante numa guerra.
Se calhar já sou, sem o saber, vítima da chamada guerra cognitiva, ou seja, produto de uma sociedade discretamente manipulada por algoritmos, “fake news” e outras variadas desinformações que apelam ao pior que escondemos dentro de nós e fazem com que tenhamos vontade de saltar para a rua de Kalashnikov em punho.
Com que objectivo bélico? Com o objectivo de erradicar do calendário este dia 16 de Fevereiro de 2022, dia anunciado como o primeiro dia de uma guerra que também já foi classificada como sendo a Terceira Guerra Mundial. Lembram-se do 16 de Março de 1974? No mês seguinte deu-se o 25 de Abril! Coincidências, dirão. Se acreditarem em coincidências.
Combater o medo da página em branco (leucosselofobia) não é nada fácil. E mais ainda quando esse medo é determinado pelo medo da guerra. Ainda me lembro do medo que tinha, há 48 anos, quando eu tinha 20 e um medo enorme do que poderia acontecer se fosse mobilizado para a Guerra Colonial. Felizmente a guerra acabou antes de eu ter de ir para a guerra.
Continuo, sem êxito, a combater este datado medo da página em branco. Um medo marcado no dia 16 de Fevereiro de 2022, data em que também foi tornado público um estudo que garante, com fortíssima probabilidade, que mais de metade dos portugueses são não leitores. Passam anos inteiros sem ler um livro. Esta desvalorização da cultura bibliográfica mete medo.
Como igualmente mete medo a complexidade geopolítica do Mundo actual onde pode caber desinformação que supostamente denuncia e alerta para situações também consideradas como sendo desinformação.
Nem por isso devemos desistir de defender que a verdade, a verdade inteira, importa.
Júlio Roldão, jornalista desde 1977, nasceu no Porto em 1953, estudou em Coimbra, onde passou, nos anos 70, pelo Teatro dos Estudantes e pelo Círculo de Artes Plásticas, tendo, em 1984, regressado ao Porto, onde vive.