Opinião

Prevenção é preciso – Rafael Amorim

Atenção, disclaimer, nem pensem que vou aqui falar sobre regras

Sempre acreditei que o Surf, e em particular o Longboard, é propício a bons encontros, bons momentos entre pessoas, a novas realidades e permite novos laços de amizade. Concordo com o João Valente (Valente, 2020) segundo o qual o “(…) surf, só por si, não torna ninguém especial (…)”, mas acredito que, com tempo, o Surf molda as pessoas e torna-as melhores seres humanos.

Isto para dizer que nunca tive grande problemas dentro de água, seja por causa de prioridades, acidentes, toques de pranchas ou “açabarcamento” de ondas. Como é normal, tive alguns dissabores, posso ter sido menos correto, ter ultrapassado o risco inadvertidamente, mas nada de grave e que colocasse em causa a minha integridade ou de terceiros.

Atenção, disclaimer, nem pensem que vou aqui falar sobre regras, prioridades ou quem tem a responsabilidade num acidente. Nada disso. Até à presente data, continuo a achar que quando algo de menos correto acontece dentro de água, deve imperar o bom senso. Recordem-se do dialogo entre às personagens do João Aniceto (Aniceto, 1986, p. 40) “Que o bom senso seja contigo (…)” ao qual o outro responde “Que ele nunca te abandone.”.

Estava a surfar com uns amigos e afastei-me do pico para apanhar umas direitas na parte central da praia. Estava um dia bom, com boas ondas, bom ambiente, relaxado. Apanhei um “metrão” de direita, com extensão e com alguma força e um Longboarder que não tinha reparado em mim, corta a prioridade e apanha a mesma onda.
Reparei que havia algo de instável na forma como ele fez o take off e pensei que se dissesse alguma coisa ele poderia cair ou ficar embrulhado na ondulação do set que vinha atras. Uns anos antes teria dado um berro ou alertava para sair. Mas, naquela manhã, com aquele sol e boas ondas disse-lhe: “Aguenta, não saias e segue na onda!”. Recuo para recuperar algum espaço e deixar alguma distância e seguimos juntos durante alguns segundos, tendo ele saído enquanto eu cheguei quase até à areia.

Quando remo para o outside ele diz: “É pá, foste um tipo impecável. Muito obrigado. Realmente a malta do Longboard tem outro espirito”. Fiquei sem saber bem o que responder e disse: “Não há problema dava perfeitamente para os dois”.
Entabulamos uma conversa e vim a saber que ele tinha começado a surfar há pouco mais de um ano, tinha passado mais de uma década fora de Portugal, era um apaixonado pelo Longboard, Old School, tinha um quiver com alguns pranchas interessantes e partilhávamos gostos e amigos em comum. Aliás, o professor de Surf dele era um amigo/shaper do meu tempo do Paredão e de Salgueiros, em Gaia, e com o qual partilhei dezenas de sessões de Surf.

Num determinado momento as nossas pranchas chocaram o que provocou um pequeno rombo num dos rails da minha 9.0. Olhei e como não era nada de mais disse-lhe para não se preocupar porque facilmente fazia o arranjo. Na altura parecia um rombo pequeno e ele estaria pior porque tinha perdido a quilha central.
Ainda ficamos mais uns minutos na conversa, mas, como ele estava para sair, remei em direção ao pico onde estavam os meus amigos. Mal cheguei, um deles pergunta-me o que se tinha passado com o tail da Longboard. Surpreso, desmontei da prancha, olhei para trás e vejo um rasgo de alguns centímetros. A quilha central que o outro Longboarder perdeu deve ter cortado a parte de trás da prancha com o impacto.

Ainda olhei para ver se o encontrava, mas ele tinha saído e já não o via. Pensei para os meus botões que iria ter de arcar com o prejuízo. Lembrei das nossas conversas e decidi falar com um dos amigos que tínhamos em comum tendo conseguido obter o contacto dele. A conversa durou pouco tempo. Fiquei contente porque não me tinha enganado com o tipo que conheci dentro de água naquela manhã. O assunto ficou resolvido, não houve discussão e a prancha foi para reparação sem problemas.

Dado a proximidade que estava dele, podíamos ter-nos aleijado a sério. O que valeu foi a prevenção e cuidado que ambos tivemos antes e dentro de água. Este acidente podia ter sido bem pior até porque estavam surfistas por perto.
Se eu não tivesse mergulhado para escapar à onda, se ele ou eu não tivéssemos o leash colocado, se tivesse soltado a minha prancha, se estivéssemos a surfar num local com pedras – pois estava meia maré a vazar – se eu não tivesse colocado a mão em cima da cabeça quando emergi…
Isto é tudo muito bonito, mas, por mais precaução e prevenção que devamos ter, foi exatamente o último “se” que falhou passado uma semana.

Tinha ido surfar com o Breakfast Club (The Breakfast Club, 1985) – conjunto de surfistas que, dado as suas vidas, afazeres familiares e devoção ao Surf, encontram-se, normalmente, logo às primeiras horas do dia para surfar – para uma manhã de domingo, pacífica, sem stress e, se possível, seguida de uma boa caminhada de 5km por um trilho junto ao rio.

Mas, é sempre em mar pequeno e quando estou menos atento que os acidentes ocorrem. Foi assim que parti uma prancha a meio, desloquei o pé esquerdo, cortei me nas rochas ou rachei a cabeça.
A história é simples, eram 06:45, remei para a onda, ela fechou, mergulhei, emergi e apanhei com uma 9.3, híper resinada e superpesada, em cima da cabeça. Sabem qual foi a minha sorte: i) não fiquei inconsciente pois podia ter morrido; ii) ter um amigo quase ao meu lado que quando viu o sangue a escorrer remou na minha direção; iii) ter outro amigo que nos ajudou; iv) estar a surfar num sitio relativamente acessível e v) ter um hospital por perto.

Nunca, mas nunca, surfem sozinhos. Nunca vão para dentro de água sem equipamento em condições ou devidamente apetrechados. Conheçam os sítios. Sempre que possível, usem proteção. O leash e um capacete podem ser os vossos melhores aliados (Surfedukators, 2020). Tenham cuidado.
De qualquer maneira, não deixa de ser curioso que para alguém que surfa com pranchas de 9 pés, tenha feito uma fratura de 9 cm. com direito a 9 pontos. Já comprei um capacete rígido e passado uma semana já estava a fazer Stand Up Paddle e Surf. O importante é ter consciência do perigo, mas não desistir.

Rafael Amorim

Bibliography
Aniceto, J., 1986. O Quarto Planeta. 1.ª ed. Lisboa: Caminho de Bolso.
Surfedukators, 2020. http://www.surfedukators.com. [Online] 
Available at: http://www.surfedukators.com/tag/surf-safety/
[Acedido em 10 07 2020].
The Breakfast Club. 1985. [Film] Directed by John Hughes. United Stares: Universal Pictures.
Valente, J., 2020. www.surftotal.com. [Online] 
Available at: https://surftotal.com/entrevistas/exclusivas/item/18016-o-surf-so-por-si-nao-torna-ninguem-especial-joao-valente
[Acedido em 08 07 2020].

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