“Por favor, não facilitem neste período de desconfinamento” – apelo de um vareiro
Ovarense que passou pelos cuidados cuidados intensivos agradece ao Hospital e aos Bombeiros
Hoje, Portugal inicia um processo gradual de desconfinamento e só quem passou pela doença sabe o que isso custa e como é importante evitar o contágio. O ovarense Sérgio Veiros Santos esteve praticamente 15 dias internado, sete dos quais nos cuidados intensivos do Hospital de São Sebastião, em Santa Maria da Feira, a lutar contra a Codiv-19 e apela a que todos sigamos as regras das autoridades.
O apelo de Sérgio é simples: “Não facilitem o contágio neste período de desconfinamento, porque ainda não se sabe com certeza se estamos imunes. É preciso ter cuidado”. E frisa que o apelo não se deve à falta de capacidade dos cuidados médicos do SNS. Nada disso. Antes pelo contrário.
Do tempo que passou naquela unidade hospitalar guarda “uma imensa gratidão para com todas aquelas pessoas”. “São gente que dá o litro pelo próximo”. Sérgio chega a recear não conseguir expressar verdadeiramente o que sente. “Nem tenho palavras, porque uma pessoa está ali totalmente indefesa, não se vêem caras, temos momentos em que nem sabemos onde estamos e o carinho daquelas pessoas é incrível”. Ao acordar do coma induzido e quando lhe perguntaram se sabia onde estava, “respondi que não fazia ideia, apesar ter entrado pelo meu pé no Hospital…” Do tempo que ali passou, recorda “o tratamento humano, o carinho e o amor que nos dedicam, apenas com a voz. É impressionante e nunca conseguirei agradecer tudo o que fizeram por mim”.
Já em casa, em franca recuperação, deixa igualmente “um agradecimento muito especial aos Bombeiros Voluntários de Ovar, sempre disponíveis, mesmo durante a cerca sanitária”. Paula, a esposa, não podia sair para se deslocar ao hospital, “mas quando o Sérgio saiu dos cuidados intensivos, foram os Bombeiros que levaram um telemóvel para a família poder falar com a ele”. O agradecimento é para todos os bombeiros, “mas eles não me levarão a mal se destacar o Paulo Teles, da nossa corporação. Eles ajudaram a fazer esta ponte entre a família e o Sérgio, mas a verdade é que eles fazem isto a qualquer pessoa. São fantásticos!”
No dia em que lhe retiraram os tubos, teve a noção do quanto aquilo era doloroso. “Mas aquele pessoal diminui-nos a dor, a sensação de fragilidade e trazem-nos o conforto possível com a sua voz”.
“Gostaria de agradecer em particular às enfermeiras Marta Santos e Solange (Sol) Jorge que com a sua voz calma e carinhosa transmitiam serenidade e confiança e me diziam que iria correr tudo bem (e correu) e à auxiliar Vanessa Gonçalves que teve a paciência para me ajudar a alimentar após a desentubação”.
“Estamos ali sozinhos, numa nave alienígena, nunca se vê um rosto, é tudo frio e impessoal”. É aqui que o relato fica arrepiante: “E quando aquela pessoa chega a mim e pergunta se quero falar com a minha esposa e família e pega no seu telemóvel pessoal e ligaram para a minha esposa… foi maravilhoso”.
Os Primeiros Sintomas
Tudo começou no dia 17 de Março. “Comecei com uma tosse seca, sem expectoração, mas muito chata”, recorda. Já o concelho Ovar estava em cerca sanitária. Na empresa onde trabalha, contactou com um colega que tinha estado numa feira em Milão. “Ele nunca teve sintomas, mas podia estar a contagiar”.
Os sintomas alarmaram-no e, nesse dia, ligou para a linha do SNS24. “Esperei horas mas fui atendido. Disseram-me para ter calma, que não seria nada de grave e voltar a ligar se tivesse febre”. “Mas eu nunca tive muita febre, apenas 38,2, mas nesta doença já era sintoma de algo”.
A tosse piorou e, em especial, durante noite era muito desagradável. “Tive dores no corpo, falta de ar, sangue na tosse e, no dia 22, voltei a ligar à tarde ao SNS24 e voltaram a dizer-me para ficar em casa a vigiar os sintomas”. Apesar de alertar que era de Ovar e que contactava com muita gente, incluindo alguém vindo de Itália, mesmo assim, mandaram-no ficar em casa. Fez outros telefonemas entre estes, mas sempre com o mesmo resultado: “Fique em casa que não deve ser nada.”
Na madrugada do dia seguinte, Sérgio ligou outra vez e aí acharam que era melhor ser visto no hospital. Nessa altura, recorda, “a minha expectoração era sangue vivo. “Em minha casa, ninguém tinha nada, mas eu posso ter estado exposto a uma grande carga viral”.
Os Bombeiros Voluntários de Ovar vieram buscá-lo, a casa, no dia 23 de Março, e ao entrar no Hospital da Feira ficou logo em sentido. Disseram-lhe logo que devia ser Covid-19 e iniciaram o tratamento ainda sem ventilação assistida nem indução de coma. “Fiz um raio-x que mostrou que ambos os pulmões haviam sido tomados por uma pneumonia e estavam em mau estado, mas não me lembro de nada a partir daqui. Tudo o que sei foi-me contado”.
Nos primeiros dois dias esteve nos cuidados intermédios e só depois é que seguiu para a Unidade de Cuidados Intensivos (UCI), pois apesar de estar a receber oxigénio não estava a melhorar e piorou. Na UCI, foi entubado, induzido em coma e ligado a um ventilador.
“Fui entubado no dia 26 de março, porque não estava a conseguir respirar sozinho”. Sucede que para ter a ajuda do ventilador é preciso induzir o coma.
Confrontada com a notícia do Hospital de que se tratava de Covid-19, Paula ficou muito preocupada, “porque quando foi para o hospital, ele já estava muito pálido e fraco e vi logo que não ia ser fácil”. Nos primeiros três dias do coma, os ‘reports’ que lhe chegavam diziam que estava estável. “Isso não me sossegava porque isso quereria dizer que “estava igual” e teve mesmo que ser a própria a questionar o médico que acabou por admitir que estava complicado. No quarto dia, no entanto, “começaram a retirar-lhe o suporte ventilatório e deu sinais de melhoria. Foi um alívio grande”, recorda Paula, hoje já refeita do susto.
Na verdade, esclarece Sérgio, “sei agora que apanhei duas pneumonias: a vírica e a bacteriana e tive de ser tratado às duas”. Saído de um coma de 7 dias, uma nova aventura estava a começar: “O meu cérebro estava bem, mas quando tentei, vi que não tinha forças para me alimentar, pôr-me de pé ou equilibrar”. Deixou os cuidados intensivos no dia 3 de abril e passou para a ala de recobro, onde ficou até ao dia 7. “Foi sempre a andar porque queria vir para casa. Na primeira noite nem preguei olho com medo de tossir ou vir a ter novamente febre e aproveitei para, em silêncio, fazer ginástica. Sabia que estava em boas mãos, mas estava muito preocupado com a possibilidade de ter que regressar à UCI caso tivesse alguma recaída, mas felizmente, correu bem”.
Logo no primeiro dia no recobro, Sérgio quis ir ao WC, não o deixaram ir sozinho, nem ele estava em condições e os enfermeiros não queriam deixá-lo. “Mas eu insisti e com ajuda de uma cadeira de rodas adaptada e do enfermeiro lá fui à casa de banho. Em quatro dias fiquei em condições de vir para casa. Eu queria muito sair dali”. Até hoje, nunca mais teve sintomas.
Na opinião de Paula, o Sérgio não foi contagiado em Ovar, “mas sim no Grande Porto, enquanto delegado comercial, porque ele foi exposto a uma grande carga viral”. Se fosse em Ovar, defende, “eu também teria sido igualmente exposta”. E não foi isso que aconteceu. Ela teve sintomas muito ligeiros – “apenas alterações no olfacto e paladar que agora se sabe que são sintomas mas, na altura, não. Pensei que fosse uma alergia ou algo assim. E nunca mais tive nada”.
Em jeito de conclusão, Sérgio volta a sublinhar que “temos um SNS fantástico. Comparável ao dos países nórdicos. Dos EUA, nem vale a pena falar porque está à vista”. E no meio disto tudo, de novo com a voz embargada pela emoção, sublinha que nem se fala do custo: “Era impagável mas, no fim, vimos para casa e não se paga nada!” “Somos um grande país. Chegamos a um Hospital e não nos falta nada”. E acrescenta: “Depois, quando é preciso ajudar, fazemos fila para dar. É aqui que se vê a nossa grandeza como nação. Somos um povo com uma alma enorme!”