O Carnaval é isto – Ricardo Alves Lopes
Há determinadas coisas que, por mais que tentemos explicar, quase exemplificar, jamais conseguiremos passar na sua essência. São aquelas que nos povoam o imaginário, que nos preenchem o quotidiano com uma magnificência que nos faz sorrir e olhar o mundo com uma vontade maior.
Não falo do Carnaval, falo das pessoas com quem me cruzo no Carnaval. Falo dos amigos que tenho no meu grupo, mas também das amizades que criamos nos grupos ao lado. Pertencemos a uma irmandade, todos queremos vencer, todos temos a nossa maquete e não duvidamos que a nossa é a melhor, mas quando chegamos à hora de nos cruzarmos, de falarmos para elementos de outros grupos, nem pestanejamos:
– Esta pago eu.
É isto que me fascina no Carnaval, esta dormência, que ao mesmo tempo é vivacidade. Esta alegria com que defendemos o nosso, sempre a projectar o que é de todos. Queremos que o nosso grupo seja cada vez melhor, mas também queremos que o conjunto total seja cada vez mais incrível. Não queremos que os Vampiros, os Hippies, os Xaxas, os Zuzucas ou qualquer outro sejam o melhor do país, queremos que o nosso Carnaval seja o melhor de todos. Eu sou Vampiro, todos sabem que eu sou Vampiro, mas quando chega a hora de falar, falo do Carnaval, do Carnaval de Ovar. E não o faço por não ser um vampiro orgulhoso, porque sou-o, tenho lá uma segunda família, amigos que conquistei para uma vida que desejo longa, digo-o porque antes de pertencer ao grupo, pertenço ao carnaval. E isso é o que distingue a competição do carnaval, por exemplo, de um campeonato de futebol. Não somos só do nosso clube, também somos do campeonato.
E é esta expressão máxima de divertimento que, por muito que tentemos, não conseguimos passar aos de fora. Nunca compreenderão a nossa nostalgia quando o Quim Barreiros sobe ao palco: para eles, está a começar; para nós, está a acabar. Sei dos santos que se comemoram e eu também não compreendo, mas permitam-me ter o egoísmo de pensar (e acreditar!) que não há festa como a nossa. Somos emigrantes que se encontram no estrangeiro, dispostos a um cumprimento fervoroso, como se nos conhecêssemos de toda a vida, sem nunca daqui sairmos.
Tenho amigos, muitos, tenho o meu grupo, de carnaval e restrito, mas tenho muito mais uma cidade unida para garantir que todos os que venham já mais o esqueçam. O rapaz brasileiro, que o Ovarnews deu a conhecer, já o referia: fui bem recebido. Ele não foi bem recebido por ter a sorte de apanhar dois simpáticos na rua, foi bem recebido porque toda a cidade se une para criar uma festa única. E isso é o Carnaval de Ovar, só depois vêm as maquetes e as vontades de liderarmos, seja em que subgrupo do carnaval for.
Por isso, agora que ele está a começar e, em simultâneo, a acabar, queria desejar-vos a todos um bom carnaval. E um bom carnaval é pregar um sorriso no rosto na quinta-feira e só o largar na quarta-feira de cinzas. E não para ficar triste, apenas para descansar o corpo, que ele também merece.
Ricardo Alves Lopes (Ral)
www.ricardoalopes.com
http://tempestadideias.wordpress.com