No Furadouro, só o mar vai fazer o “Ti Albano” desistir
O INCCA – INtegrated Coastal Climate Change Adaptation for Resilient Communities
“O bar de praia mais genuíno que encontrei”, diz um dos comentários que encontramos na Internet sobre o “Ti Albano”, possivelmente o mais antigo apoio de praia ainda em funcionamento na costa aveirense.
Instalado na frente de mar mais tempestuosa da Europa, tormentas é o que não lhe falta para contar em mais de século de trabalho na praia do Furadouro, em que viu o nível subir assustadoramente para se tornar numa das zonas costeiras mais afetadas pela erosão em toda a Europa.
A última foi a Tempestade Nelson que voltou a causar estragos em cima dos prejuízos contabilizados neste longo inverno. Umas boas toneladas de areia foram levadas pelo mar, praticamente uma duna, o que obrigou à necessidade de um conjunto de passadiços que estavam construídos porque, de facto, “eles ficaram no ar sem sustentação”, diz Domingos Silva, presidente da Câmara Municipal de Ovar.
Agora é tempo de colocar mãos à obra no bar do “Ti Albano”, no Furadouro, que abanou, mas resistiu às ondas do mar e quer apresentar-se para mais uma época balnear.
O proprietário do apoio de praia que o mar ameaçou “engolir” várias vezes só neste inverno, não vai para novo e volta a deitar mãos à obra: “Já gastei mais de 30 mil Euros para reparar os estragos e não fica por aqui”, informa-nos Albano Silva.
Há pouco mais de uma semana estava praticamente debaixo de água. “As ondas passavam aqui por cima, mas perdi o medo”. Não desiste. “Apanhei um susto, mas enquanto não me levar, o mar vai ter que me aguentar aqui”, diz, bem humorado.
“Há seis anos, o mar destruiu-me tudo, andou aqui o presidente da Câmara a prometer mundos e fundos e depois nunca mais o vi. Minto: apareceu durante a campanha eleitoral autárquica. Ele, o Domingos Silva e os vereadores. Ah e tal que eu era quem mais sofria com a erosão costeira do Furadouro e o avanço do mar, disse-me que havia um fundo financeiro e eu fui à Câmara inscrever-me, mas aquilo devia estar tão fundo que nunca o vi” (risos).“Nesta última campanha eleitoral, disse-me a mesma coisa: Se ganharmos, ligue para mim que eu tenho a solução para si. Ligue para mim, ouviu?” O Ti Albano garante que tem ligado. “Eu telefono e telefono, mas ele nunca me atendeu (Mais risos). Não saio disto”.
Instalado na praia do Furadouro há 56 anos, Albano nunca viu o mar tão alto e violento como este ano, em pleno mês de Abril, e muito menos na parte central da praia. “Lá no sul da praia, é costume o mar fazer estragos, agora aqui…?” questiona. Mas, como timoneiro deste bar(co) ele aguenta-se estoico, mesmo quando o equilíbrio é precário, pois o mar também levou muita pedra da base da construção.
“Só se o mar me levar também é que desisto”. Aos 81 anos já não pensa que lhe sucedam no bar. “Se me aparecesse alguém para comprar isto eu vendia já. Mas quem quer este negócio sem areal e sem praia?”
“Está tudo perdido”, desabafa, sozinho, sentado numa cadeira vermelha da esplanada, ainda sem saber se tem ajudas que o possam auxiliar a pagar as obras que precisa fazer: “Custa-me muito, mas estou a dizer aos meus clientes que este ano não vai haver praia. Famílias inteiras que vêm de longe e clientes fiéis. Já lhes disse a todos. Não os engano”.
Sem respostas locais, o Ti Albano foi a Coimbra falar com os técnicos da CCDR-C do Ambiente. “Disseram-me que a Câmara Municipal não aceita a delegação de competências das praias e assim nada feito. Nós é que somos as vítimas. Eu sempre avisei que a Câmara devia ter as praias prontas em abril de cada ano, mas não adianta nada…”
Perdeu-se o interesse por esta praia? “Não há ninguém nesta Câmara que queira saber. O que isto era, o que podia ser e o que é. O Furadouro está abandonado”, repete, triste.
Recordamos-lhe que agora temos um secretário de Estado do Ambiente, natural da Feira. A resposta sai-lhe, pronta: “Ainda não ganhou raízes para fazer seja o que for. Mas também não vejo jeitos, vai defender o concelho dele porque aquilo sim, está a crescer muito. Fogem todos para lá. Lá ajuda-se, incentiva-se, aqui dão-nos patadas e empurram de uns para os outros. Nada se faz”.
INCCA – INtegrated Coastal Climate Change Adaptation for Resilient Communities
No âmbito do projeto Adaptação Integrada às Alterações Climáticas para Comunidades Resilientes, surge o que se designou Gestão Costeira 3.0, proposta de gestão do litoral que envolve as entidades interessadas na seleção, priorização e avaliação de medidas para a criação de um caminho de adaptação no litoral de Ovar. O projeto, coordenado pela Universidade de Aveiro (UA), prevê a criação da Comissão de Gestão e considera a discussão de vários tipos de medidas de mitigação da erosão costeira.
O seminário final do projeto INCCA – INtegrated Coastal Climate Change Adaptation for Resilient Communities (Adaptação Integrada às Alterações Climáticas para Comunidades Resilientes) teve como caso de estudo o município de Ovar, apresentando à comunidade e entidades diretamente interessadas os resultados finais do projeto e organizado um debate sobre os caminhos de adaptação futuros.
Para a equipa de investigação, coordenada por Carlos Coelho, professor do Departamento de Engenharia Civil da UA, a Adaptação às Alterações Climáticas (AAC) tende a considerar apenas as soluções técnicas e os planos de ação a longo prazo para a implementação da AAC, com avaliação detalhada dos impactos sociais, ambientais e económicos, custos e benefícios, ainda são escassos, sendo necessário promover uma abordagem de adaptação que integre perspetivas de curto, médio e longo-prazo, considerando as dimensões social, ambiental, económica e de engenharia. Assim, os órgãos de decisão devem conceber planos de ação para implementação de estratégias de AAC sustentáveis e duradouras.
No Caminho da Adaptação às alterações climáticas
Assente nos princípios da Gestão Costeira 3.0, o projeto propõe a criação de uma Comissão de Acompanhamento e Gestão do Litoral, com a responsabilidade e o mandato de garantir a implementação do caminho determinado, a sua adequada monitorização e, caso necessário, a sua alteração. O projeto prevê ainda a definição de um “Caminho de Adaptação” que informará o trabalho da Comissão e fundamentará um
plano de trabalhos para lidar com os desafios e oportunidades emergentes.
“O Projeto INCCA permitiu de uma forma muito objetiva, através de uma componente participativa muito relevante, contribuir com mais um pequeno passo para que se adotem medidas que permitam melhorar o futuro das zonas litorais. Os caminhos de adaptação, a proposta de criação de uma comissão de acompanhamento para o litoral, envolvendo os diversos stakeholders, e o ajuste das medidas em função do acompanhamento e de
resultados de monitorização, são recomendações concretas, que resultam deste projeto”, comenta o coordenador.
“Devemos estar conscientes que as praias não voltarão a ser o que já foram, mas seguramente poderão ser melhores do que se nada for feito para mitigar o problema da erosão costeira e adaptar a zona costeira ao efeito das alterações climáticas”, salienta Carlos Coelho.
Alimentação das praias e reconfiguração das estruturas
Os agentes mais diretamente envolvidos manifestaram, nos momentos participativos, o interesse em proteger as zonas urbanizadas e em manter o valor socioeconómico das praias de Ovar através da aplicação combinada de alimentação artificial e reconfiguração de obras existentes.
A Câmara de Ovar submeteu à avaliação das entidades competentes a construção de dois quebramares destacados e paralelos à linha da costa para ajudar a dispersar a energia das ondas, mas o projeto está em avaliação há cerca de cinco anos.
Luís Ventura