Opinião

Nem o Carnaval consegue “mascarar” o retrocesso que resulta do fim da disciplina de EVT

Ainda só passaram três anos letivos desde que o atual Ministro da Educação, através de uma polémica reforma curricular, substituiu a disciplina de EVT com 20 anos de prática, numa fusão das disciplinas de Educação Visual e Trabalhos Manuais, pelas duas atuais, Educação Visual (EV) e a Educação Tecnológica (ET).

Na altura, numa entrevista ao jornal Público (30/10/2011), o ministro Nuno Crato deixou claro os verdadeiros propósitos do desmembramento da disciplina de EVT que era lecionada por dois professores (par pedagógico), quando afirmou: “Não estamos em época de ter dois professores em sala de aula; deve-se antes pensar em separar curricularmente a Educação Visual e a Educação Tecnológica e os professores alternarem a docência”. Assim fez e os resultados práticos já são bem visíveis nas comunidades escolares.

A opção economicista que acabou por desvirtuar a disciplina de EVT, já que pedagogicamente não são conhecidos indicadores que reconheçam e justifiquem as vantagens de tal alteração de EVT em ET e EV. Começa a pôr a nu as inevitáveis consequências dos retrocessos resultantes da descaraterização de EVT que “promove a ampliação do conhecimento do mundo. A manipulação de diferentes objetos e materiais, a exploração de suas características, propriedades e possibilidades de manuseio e ao entrar em contato com formas diversas de expressão artística, como também a utilização de diversos materiais gráficos, plásticos, naturais e descartáveis sobre diferentes superfícies pode ampliar suas possibilidades de expressão e comunicação”, segundo se lê em «O Papel da Educação Visual e Tecnológica no 2º Ciclo do Ensino Básico», de Gregória Barata Rosa Prata (https://ubithesis.ubi.pt).

Se outros fatores não fossem indicadores visíveis de uma espécie de retrocesso nesta área disciplinar no 2º ciclo do ensino básico, apesar de todo o empenho, esforço e profissionalismo dos atuais docentes que se dividem entre ET e EV, bastaria considerar o período de Carnaval que se vive no caso concreto em Ovar, para se observar a estranha ausência de trabalhos sobre, por exemplo, a “máscara” que simboliza a época da folia.

Este era, habitualmente, um ponto alto de motivação dos alunos, através de múltiplas técnicas e expressões de construção de tais indumentárias carnavalescas, em que se podia introduzir a vertente ecológica da reciclagem na produção dos mais variados tipos de motivos alusivos ao entrudo, recheadas de cor, alegria e fantasia que transbordavam da sala de aula.

Abordagem da temática do Carnaval em sala de aula na então disciplina de EVT que, contribuiria certamente para, também do ponto de vista pedagógico, promover uma visão diferente da participação no Entrudo, ao contrário do vazio que vem sendo criado neste campo, deixando margem apenas para a opção da preponderância do samba e toda a sua envolvente no Carnaval de Ovar, que resulta, com todas as suas consequências, desde logo para os jovens estudantes, num ambiente carnavalesco durante praticamente todo o ano.

Resultados negativos que também se podem concluir no aproveitamento escolar. Um estudo a merecer atenção dos especialistas.

Ora como questionar (no Carnaval ninguém leva a mal) o que a comunidade escolar e educativa em geral considera nada mais haver a fazer ou até a dizer sobre tal panorama. É irresistível trazer à memória o tempo ainda tão recente, em que, voltando ao Carnaval como exemplo, se enchia a alma da Escola com o espirito da folia que afinal carateriza as diferentes gerações de ovarenses, tanto mais, numa altura em que esta grande festa, que por cá por Ovar se apresenta como um importante cartaz turístico, se vai deixando gerações de alunos sem contato com um outro modo de festejar e brincar o Carnaval através das mais imaginativas fantasias que os próprios podem idealizar e construir na sua Escola.

Como saudável alternativa ao samba abrasileirado em terras frias ou ao ensurdecedor batuque das baterias que exigiam sérios rastreios de audição sobretudo aos jovens e às crianças de tenra idade, para quem o Carnaval parece não ter alternativa ao samba e ao batuque, quando a expressão carnavalesca é naturalmente muito mais, como se aprendia nas aulas de EVT num tempo que permitia concluir, como fez Gregória Barata Rosa Prata no seu “Relatório de Estágio para obtenção do Grau de Mestre em Ensino de Educação Visual e Tecnológica no Ensino Básico (2º ciclo de estudos)” com o título “O Papel da Educação Visual e Tecnológica no 2º Ciclo do Ensino Básico”, onde realça que:

“A disciplina de EVT promove a ampliação do conhecimento do mundo. A manipulação de diferentes objetos e materiais, a exploração de suas características, propriedades e possibilidades de manuseio e ao entrar em contato com formas diversas de expressão artística, como também a utilização de diversos materiais gráficos, plásticos, naturais e descartáveis sobre diferentes superfícies pode ampliar suas possibilidades de expressão e comunicação”.

“Acredita-se que a educação através da Arte, num processo contínuo ao longo da vida, tenha implicações no desenvolvimento estético-visual dos indivíduos, tornando-se condição necessária para alcançar um nível cultural mais elevado, prevenindo novas formas de iliteracia. A EVT é uma disciplina que unindo a parte visual à parte técnica permite a concretização de grandes projetos, desenvolver o gosto, o cuidado e o respeito pelo processo de produção, criação, trabalhos e objetos produzidos individualmente ou em grupo, criando cuidados com o próprio corpo no contato com os suportes e materiais de arte, promovem a dignidade humana e conduz as crianças na construção de uma sociedade melhor”.

No entanto, nada moveu a decisão do Governo e do Ministro da Educação, apesar de se tratar de uma eliminação na altura considerada, “sem justificação epistemológica, psicopedagógica e paradoxalmente económica, sem qualquer justificação”, como afirmou na altura a Associação de Professores de EVT (APEVT).

O resultado da medida meramente economicista, visivelmente “desmascarada”, como consequência da redução de docentes e subcarga letiva dos atuais profissionais das disciplinas de ET e EV, ironicamente nem o Carnaval consegue “mascarar” o retrocesso com o fim da disciplina de EVT e repetivo par pedagógico, deixando mais pobre e frágil a componente artística e das expressões em meio escolar.

Um vazio que se vai instalando e dando mais argumentos economicistas aos decisores insensíveis a áreas tão importantes e necessárias na formação dos jovens, cuja prática manual que estão diariamente a exercitar nos seus tempos livres, são os dedos indicadores ou polegares nos telemóveis, iphones ou tablets com uma extraordinária destreza, independentemente do sucesso ou aproveitamento escolar no seu percurso escolar.

José Lopes

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