Maria da Conceição cumpre desejo nascido em Avanca
A atleta filantropa portuguesa Maria da Conceição vive para cumprir a promessa de tirar da pobreza 100 famílias da capital do Bangladesh, através da Fundação Maria Cristina, à qual deu o nome da sua mãe adoptiva.
Os 37 anos da vida desta portuguesa radicada no Dubai são contados nas 163 páginas do livro “Maria da Conceição, uma mulher no topo do mundo”, desde o nascimento em Vila Franca de Xira, passando pela adopção pela refugiada angolana Maria Cristina, em Avanca, Estarreja, onde se juntou aos seus seis ‘irmãos’.
Depois da morte da sua mãe adoptiva, aos 10 anos, e atingida a maioridade, Itália, Suíça e Inglaterra fizeram parte da rota rumo à sua independência, que acabou por ocorrer apenas no Dubai, onde se tornou assistente de bordo.
Mas, tudo mudou em abril de 2005, durante uma escala de 24 horas em Daca.
“Foi quando fiz uma viagem ao Bangladesh e vi pessoas como eu que viviam na pobreza que eu senti necessidade de as ajudar. Ao lado do que elas tinham, que não era nada, eu tinha muito e eu decidi partilhar o que tinha”, recordou Maria da Conceição, que foi alvo de uma homenagem na vila de Avanca, onde visitou a escola primária que frequentou em criança.
A realidade da capital bengali tocou-a de tal forma que decidiu ajudar famílias das favelas.
“Todos sabemos que há pobreza, mas o que é que fazemos? Ignoramos. Mas eu quando tive de passar 24 horas num país do terceiro mundo, a ver, sentir, ouvir e a cheirar a pobreza, não pude ignorar, não pude virar as costas”, sublinhou.
A memória e gratidão que tinha pela mãe adoptiva foram decisivas.
“Foi um pouco a pensar no meu passado, que alguém me tinha ajudado e a diferença que isso tinha tido na minha vida. Pensei que se eu fizesse a mesma coisa por aquelas crianças elas podiam chegar onde eu cheguei. Chamei à Fundação Maria Cristina para agradecer e em homenagem ao que a Cristina fez por mim. Imagine, era uma viúva de Avanca, fazia limpezas, com seis filhos e ainda deu casa e comida a uma sétima criança”, salientou.
A portuguesa começou por retirar 39 crianças das ruas do bairro de Gawair e inscrevê-las numa escola local, mas o projecto foi tendo altos e baixos, invariavelmente por dificuldades de financiamento, levando Maria da Conceição a criar a Fundação Maria Cristina, em 2010.
Foi a partir daí que se tornou ex-hospedeira e se dedicou “24 horas por dia, sete dias por semana” a esta causa, juntando à gestão da fundação os desafios extremos, como correr maratonas, ultramaratonas e escalar montanhas.
“A crise financeira abateu o meu projecto e fechou-o, eu podia ter baixado os braços… mas reinventei-me, não cruzei os braços, não fiquei a chorar os oito anos de trabalho que tinha tido com a fundação e como a vida é tão injusta”, recordou.
Apesar de concretizar estes desafios, como o de se tornar na primeira portuguesa a subir o Evereste, Maria da Conceição não conseguiu angariar o milhão de euros que assegurava, pelo menos, a educação de 100 crianças, mas nunca desistiu, conseguindo identificar resultados positivos.
“Já temos muitos resultados. Algumas crianças que tinham 12 anos, quando começámos a tomar conta delas saíram das favelas de Daca, já estão a trabalhar [na companhia aérea Emirates, no Dubai] e a tomar conta das famílias. Os pais também sabem ler e escrever, já dá para ver muita diferença nos últimos dez anos, mas ainda há muito trabalho para continuar”, assegurou, advertindo que “são precisos no mínimo 13 anos para educar uma criança”.
Maria da Conceição lamentou algum desconhecimento sobre o seu projecto, sobretudo em Portugal – “há estrangeiros que viajam na Emirates que perguntam se a humanitária está a voar” – para justificar o lançamento desta sua biografia.
“Para divulgar a história da fundação, o meu percurso de vida mas também para que possa inspirar outras pessoas para fazerem o que a Cristina fez, quando eu tinha dois anos, e o que estou a fazer agora. Acho que as pessoas pensam que para ajudar e mudar a vida de outras pessoas é preciso muita coisa, mas veja a minha história: como uma mulher de limpeza, muito pobre, como ela mudou a minha vida; e eu que não tenho nada, mas fiz a diferença que fiz na vida destas pessoas”, frisou.
A poucos meses de enfrentar os 3,8 quilómetros de natação, 180 quilómetros de bicicleta e uma maratona a correr, num Ironman (triatlo de longa duração), Maria da Conceição, que ainda vai aprender a nadar e a andar de bicicleta, quer tornar-se num exemplo a seguir.
“Espero pelo menos inspirar as pessoas a batalharem pelos sonhos e objetivos, não só no mundo da caridade, mas também nos estudos, na carreira…”, concluiu.
Terryona Miramonti
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