Lenço que Júlio Dinis doou à sobrinha reanima tradição das Rendas de Bilros em Ovar
No verão de 1863, Júlio Dinis veio para Ovar, bastante debilitado pela tuberculose, para apanhar o ar da brisa marítima e descansar, ficando hospedado na Casa dos Campos, ao cuidado da sua tia paterna, D. Rosa Coelho. Aqui colheu inspiração para alguns dos seus principais romances, como As Pupilas do Sr. Reitor e A Morgadinha dos Canaviais.
Durante a curta passagem por Ovar, o escritor teve oportunidade de observar as rendilheiras e bordadeiras ovarenses, tendo regressado ao Porto com um lenço de bilros, que ofereceu à sua sobrinha Anitas (Ana Constança Coelho), por quem nutria uma especial afeição.
Aliás, conta António França, responsável do museu, “foi a ela que Júlio Dinis escreveu a primeira carta desde Ovar, precisamente no dia 7 de maio de 1863”.
Tudo indica que Júlio Dinis tomou contacto com “o lenço na casa de Ana Simões, filha de Tomé Simões de quem era amicíssimo e visita frequente da casa situada nas traseiras da Capela da Senhora do Parto, em Ovar”. Quando regressou ao Porto, em setembro desse ano, consigo seguia o referido lenço, que havia sido feito pelas mãos de Ana Simões.
Mais tarde, já de idade avançada, Ana Simões, pressentindo a morte, pediu à filha, Maria Emília, para ir ao fundo de um baú retirar um lenço que embrulhava uma série de cartas, onde também se encontrava o coração e um retrato de Júlio Dinis, e ordenou que queimasse a correspondência, o que ela fez. “É claro que, a partir daí, a história ganhou contornos de um alegado romance, tornando-se quase um mito urbano”, refere António França.
O coração, onde se lê a inscrição “Com subtil arte de amor venceste o meu coração”, seria entregue, pela família, à Escola Médico-Cirúrgica do Porto, na década de 1920, e o lenço acabou por ser doado ao Museu Júlio Dinis, no ano de 1996, por Cascais de Pinho, a quem a filha de Ana Simões o oferecera como prova de gratidão pela defesa da obra do escritor.
Em 1996, na inauguração do Museu, Cascais de Pinho doou o lenço de bilros à Camara Municipal de Ovar e este encontra-se, atualmente, exposto no Museu Júlio Dinis, classificado como uma “Relíquia Dinisiana”.
“É interessante verificar que a tradição da Renda de Bilros é típica de zonas de pesca, como era o caso de Ovar e ainda é Vila de Conde e Peniche”, observa António França, do Museu Júlio Dinis, que frisa que este “nada tem a ver com os lenços dos namorados, porque é muito mais luxuoso”.
Nas comemorações do 185.º aniversário do nascimento do escritor, o Museu Júlio Dinis voltou a apresentar o Lenço de Bilros enquanto tesouro do escritor, mas também como tradição muito viva naquele tempo mas cuja produção vareira se perdeu totalmente com o passar dos anos.
A Câmara Municipal de Ovar decidiu então reavivar esse ofício, firmando uma parceria com o Museu da Renda de Bilros de Vila do Conde e vai oferecer um contacto com essa técnica, revela António França. “Para já, temos dez inscrições, mas nunca se sabe o que pode acontecer”.
Nesta ação, que decorre nos dias 12 e 13, os participantes vão ficar a saber mais sobre a história deste elemento decorativo diferenciador e também pôr mãos à obra e aprender os primeiros movimentos fundamentais para a execução de uma Renda de Bilros. A formação acontece entre as 10h00 e as 12h30 e as 14h00 e as 16h30. A participação é gratuita, mas requer inscrição prévia e está limitada ao número de vagas.