“Junquilhos”: Contrastando com tanta indiferença – José Lopes
Contrastando com a paisagem já pouco familiar, marcada por um inquietante conformismo, que transparece dos rostos vítimas de tanta humilhação, de tanta instabilidade, de tanta tristeza, de tanta impotência para corresponder aos desafios resultantes da desagregação social que se reflecte também em meio escolar.
Contrastando com a evolução de uma realidade organizacional de gestão escolar em agrupamento, cujos resultados concretos, são a redução de profissionais na educação e a proletarização de docentes, ultrajados e desautorizados, transformados em tarefeiros para desenrascar e se desenrascarem no preenchimento de horários em qualquer um dos ciclos do ensino básico e secundário.
Contrastando até com expectativas frustradas de evolução positiva nos resultados escolares, considerando a estratégia da articulação curricular entre ciclos, que tardam a mostrar as suas vantagens pedagógicas com que também se justificaram as agregações de escolas e o desmembramento de especificidades de cada comunidade escolar, apesar de todos os meios tecnológicos de maior acesso e disponibilidade de informação na Internet.
Contrastando com o esmorecer do entusiasmo, com o quebrar do brilho de esperança, com a confraternização e solidariedade, com as relações interpessoais, com a amizade, com o envolvimento dos diferentes elementos das comunidades escolares e educativas.
Contrastando com a falta de reconhecimento e dignificação dos trabalhadores da educação, que sobrevivem entre a ansiedade da aposentação e a sua capacidade de corresponderem com atitude profissional aos novos fenómenos e desafios da sociedade actual, vivenciados em meio escolar, que em algumas aulas, são mais momentos de pesadelo do que civismo e ambiente pedagógico, perante salas amontoadas de alunos, que colocam à prova, autoridade, rigor, exemplo, dedicação, paixão e a experiência profissional capaz de contrariar todas as políticas que deprimem a educação.
Contrastando com um tempo que impõe violenta austeridade à Escola Pública amputando-a do seu verdadeiro e indispensável papel para a construção de um amanhã melhor.
Contrastando com lógicas de sobrevivência, de comodismo, de individualismo, de submissão e medo, abdicando do exercício de cidadania que deveria ser um exemplo pedagógico em meio escolar.
Eis que uma admirável força da natureza em todo o seu esplendor vegetal, mesmo que frágil e de curta duração de vida, rompe da terra arenosa da Escola EB António Dias Simões um par de “Junquilhos” de cor amarela, como um brilho de luz que nos surpreende pela sua resistência e inconformismo, como um exemplo aos olhos das várias gerações de alunos ao longo de décadas, que tiveram o privilégio de terem à mão uma flor que nos traz memórias, que recorda uma outra escola, uma outra comunidade escolar e educativa, um outro espírito de solidariedade, uma outra manifestação de sensibilidade para tal beleza, que nos desperta e incentiva a alimentar a esperança de que vale a pena acreditar, resistir e lutar contra todas as indiferenças.
José Lopes
06/03/2015
Levante Vreven