Intervalo
Por instantes, penduro carnaval e assisto à exibição da natureza. É um pequeno intervalo, quase tão pequeno como os miúdos que desfilam a esta hora na praça.
Por aqui, hoje, tudo brilha como que se tivesse existido uma enorme operação de limpeza, que permitisse esta geral exibição lustrada. Tudo reverbera. Toda esta luz dói agradavelmente.
Só o Cáster se faz notar de forma mais ruidosa, no resto é um silêncio arrebatador- aqui não chega quase nada da agitação que se instalou no centro da cidade.
O malhado do casaco, os estravantes óculos multifunções- protegem da luz solar e da ausência dela, e servem para camuflar os excessos que se acumulam na zona dos olhos. E por fim, a minha anormal necessidade de água, são os únicos elementos de carnaval aqui presentes.
Nem os habituais tiroteios de domingo se fazem ouvir- do nada irrompiam homens e cães prontos para abater e recolher qualquer ave que ousasse sair do esconderijo ou não voasse a uma altitude segura. Pareciam pequenos pelotões prontos para um qualquer Vietname- longas espingardas, boinas, por vezes quicos, enormes botas. Tudo em tons esverdeados. À cintura, um reforço de munições. Cães de pêlo hirsuto, atentos e em tensão, seguiam os donos.
Mas hoje, por aqui, só a forte corrente do Cáster se faz ouvir- este rio ainda há pouco atravessava o animado e ruidoso centro da cidade, aproxima-se agora velozmente da sua foz, não sem antes alagar várias terras de cultivo.
Foi só um intervalo no carnaval, tão estreito como as margens do Cáster.
Henrique Gomes
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