Há um novo Moliceiro na Ria
A Marina da Torreira, na Murtosa, é este sábado palco de um “bota-abaixo”, acontecimento raro nos tempos que correm. Marco Silva, um jovem arrais da praia da Torreira, de 39 anos, é o responsável pela embarcação, que ele próprio construiu.
O moliceiro, baptizado com o nome do seu proprietário e construtor, “Marco Silva”, possui um comprimento de 15,95 metros e uma “boca” de 2,78m. Foi construído em madeira de pinho, com recurso a técnicas tradicionais, ao longo de cerca de um mês e meio, pelas mãos hábeis de Marco Silva, ajudado pelo Mestre Firmino Tavares, filho do famoso mestre construtor de barcos moliceiros de Pardilhó, Agostinho Tavares, já desaparecido.
As pinturas do barco e dos respectivos painéis, actualmente em fase final de execução, estão a cargo do Mestre José Oliveira, conceituado artista plástico murtoseiro, autor da quase totalidade dos painéis dos moliceiros existentes na Ria de Aveiro.
O “bota-abaixo” deste novo barco moliceiro tem um enorme simbolismo, pois representa um novo alento e esperança na preservação daquele que é o verdadeiro ex-libris da Ria de Aveiro e, provavelmente, a mais bela embarcação do mundo, que tem na Murtosa a sua pátria. O presidente da Câmara Municipal da Murtosa, Joaquim Baptista, lembra que o desaparecimento da actividade para a qual foram concebidos – a apanha do moliço – ditou a quase extinção dos barcos moliceiros. Hoje, “uma grande parte dos moliceiros ainda existentes, estão consignados à actividade turística nos canais da cidade de Aveiro, já sem algumas das suas características originais”.
Este, segundo o edil, “vai participar nas nossas tradicionais regatas” e será por via delas que o Município apoia os detentores destas embarcações que não possuem outra fonte de rendimento.
Joaquim Baptista sugere que se “cada Município da Ria tivesse a sua regata ou outra iniciativa do género envolvendo moliceiros, poderia ser uma fonte de rendimento para manter as embarcações e, quem, sabe promover-se a construção de mais algum de raiz”. Na Murtosa, resistem, teimosamente, um conjunto de homens que mantêm as suas embarcações sem mácula, seja para actividade marítimo-turística, ou, apenas, pela satisfação de as possuírem.
Marco Silva ousou construir um barco moliceiro novo, que será o primeiro, em seis anos, a ter um “bota-abaixo” na Murtosa, em pleno coração, geográfico e afectivo, da Ria.
Com Marco Silva, pela sua juventude, está também garantida a continuidade dos saberes ancestrais da construção de embarcações tradicionais, pois com as suas mãos, para além desta novíssima embarcação, já tinha construído anteriormente cinco bateiras. Depois do moliceiro, o próximo desafio do jovem arrais e construtor de embarcações é materializar um novo barco xávega, de pesca de mar.