Genética iliba paciente zero mas não inocenta mutação de Ovar
Viagens a Milão e almoços de Carnaval explicam o primeiro surto de Covid-19 em Portugal ainda antes de se imaginar que o coronavírus já circulava entre nós.
O indivíduo de Lousada, trabalhador numa empresa de calçado, considerado o “paciente zero” da cadeia de transmissão que se originou, foi a Milão, mas como os investigadores da Universidade de Porto e Hospital de São João vieram a demonstrar, não infectou mais ninguém.
Um dos exemplos de uma investigação publicada na revista “Viruses” é Ovar, cidade que chegou a ter um cerco sanitário durante a primeira vaga da pandemia. Foi detectada no concelho uma nova variante do vírus e que foi responsável por mais de um quarto dos contágios em Portugal nessa fase. Esta variante foi detectada em 11 distritos nas regiões Norte e Centro e o cerco sanitário impediu que se propagasse ao sul do país.
Tratou-se de uma estirpe do SARS-CoV-2 (“D839Y”) com uma mutação específica na proteína Spike e que foi responsável pela disseminação massiva do coronavírus no país. Terá sido importada da Itália em meados de fevereiro por uma doente que passou por diversas unidades de saúde sem diagnóstico.
Circulou despercebida nas regiões Norte e Centro e, quase 15 dias depois, é que foi detectado o primeiro caso da covid-19 em Portugal, dia 2 de março.
“Estimamos que, durante a fase exponencial da epidemia e em particular entre 14 de março e 9 de abril, a variante de D839Y tenha causado cerca de 3800 infecções, ou seja, 25% do total de casos confirmados de COVID-19 em Portugal”, explicou, posteriormente, João Paulo Gomes, coordenador do Instituto Ricardo Jorge (INSA).
A proteína Spike tem sido foco de ampla investigação – por ser ser responsável pela ligação do vírus às células humanas, permitindo a infecção -, nomeadamente para o desenvolvimento de vacinas.
A maioria das amostras do vírus associado aos casos de Ovar revelou uma mutação genética não detectada no resto do país. Ainda assim, a alteração não deve ter tido influência na gravidade da doença nem na velocidade de transmissão do vírus.
A equipa de Luísa Pereira destaca, no artigo, a importância de uma correta análise genética do vírus, sobretudo em situações de supertransmissão como neste caso: por um lado, permite perceber quais as características que transformam um indivíduo infectado num supertransmissor e, por outro lado, ajudar na prevenção e rastreamento de contactos.
Adicionalmente, uma correcta identificação do paciente zero teria evitado o estigma e discriminação a que foi sujeita a primeira pessoa diagnosticada com a infecção que, afinal, nem sequer transmitiu o vírus a mais ninguém.
O paciente zero mais provável é, segundo os investigadores, o dono da fábrica onde o trabalhava primeiro, que também foi a Itália e teve sintomas logo no dia 23 de fevereiro, mas só foi diagnosticado a 8 de março. Na fábrica, houve, pelo menos, 14 pessoas infectadas, mas apenas três não tinham laços familiares com o dono ou com as pessoas que tinham ido a Milão. É neste caso que o estudo aponta os almoços de Carnaval como possível origem do contágio.