Opinião

Encontros Imediatos com Toninhas – Rafael Amorim

 

Fotografia da duna interior florestada de São Pedro de Maceda transformada em arriba devido ao avanço do mar. Foto Álvaro Reis, A Praia dos Tubarões, Ed. Autor, 2006, p. 195

A Praia de São Pedro de Maceda, em Ovar, era, no final dos anos oitenta, início dos anos noventa, do século passado, quase selvagem. Localizada no perímetro florestal das dunas de Ovar, com a proteção do Aeródromo de Manobra n.º 1 da NATO, naquela altura era percorrida por um pequeno percurso em alcatrão e “brindada” com um aterro de lixo a céu aberto cujas labaredas alumiavam, de forma tétrica, aquele local durante noite.

A sua mata, naquele tempo, ainda muito densa, acolhia pequenos animais – raposas, aves de rapina, cobras, entre outros – e, quando estávamos dentro de água olhávamos para a mata e com sorte conseguíamos um vislumbre dos bichos.
Para chegar à praia tínhamos de cravar uma boleia, andar de bicicleta ou, como cheguei a fazer, caminhar uma hora pelo areal, ou pelo meio da mata, a partir da parte norte da praia do Furadouro.

“A sua mata, naquele tempo, ainda muito densa,

acolhia pequenos animais – raposas, aves de rapina, cobras,…”

Valia a pena porque a imensidão das dunas, a densidade da mata e o olhar sobre aquele oceano maravilhoso, dava a sensação de SurfTrip dentro das nossas limitações e como se estivéssemos num filme. Este foi o cenário que encontrei quando comecei a surfar e que, passado estes anos, provoca um sorriso enorme sempre que encontro alguém que a conhece ou se recorda destes tempos.

Esta praia sempre foi importante para mim enquanto local de recolhimento, por causa de algum desgosto amoroso, angústia existencial ou simples tristeza pela perda de alguém. Era dentro daquela água e naquelas dunas que procurava conforto. Era como se, de repente, quando lá chegava algo dissesse que tudo iria ficar bem depois de uma sessão de surf. Tinha um efeito catártico.

Por outro lado, a triste oportunidade de ver a impressionante erosão costeira e consequente devastação daquela mata, fizeram enveredar, numa altura da minha vida, por um forte ativismo ambiental em defesa dos cordões dunares da nossa costa.
Não foi difícil, no virar do século, levar amigos e conhecidos, normalmente do Porto ou Vila Nova de Gaia, para aqueles lados. Até porque esta praia era muito procurada, e penso que ainda o seja, para aqueles dias em que nada funcionava e, em maré cheia, lá estava no Pico 9, na entrada central ou junto ao Paredão, umas ondinhas a rolar.

Partilho convosco um episódio caricato que ocorreu comigo e com uns amigos numa certa manhã de nevoeiro intenso, num fim de semana lá para os idos dos anos 2003/04, em que chegados à entrada central da Praia de São Pedro, sem conseguir ver um palmo à frente dos olhos, tivemos de esperar para que ele dissipasse.
Aguardamos perto de uma hora antes de entrar dentro da água. Uns estendiam os fatos, outros iam a roulotte tomar um café, eu aproveitei para pentear a minha prancha, colocar parafina e, invariavelmente, ouvir a conversa do costume sobre os melhores modelos de pranchas de Longboard.

“É um tubarão”, gritava ele, “Um tubarão!

para, logo de seguida, ouvir um estrondo…”

Direitos Reservados Maarten Ryon  

Um tipo que mal conhecia tinha estado, o tempo todo, a gabar se da sua nova prancha, que tinha comprado naquela semana, que era XPTO, tinha sido shapeada por fulano, era isto, era aquilo, era assado, era cozido…. Enquanto tratava da minha prancha recordo de ter olhado para um amigo e ter partilhado algo do gênero: “Haja paciência. Pelo preço que pagou por aquilo é bom que ele saiba mesmo surfar ou pelo mesmos que aquelas quilhas tenham um motor incorporado”.

Atenção que adorava as pranchas que aquele rapaz se referia. Eram inspiradas por um dos meus ídolos do Longboard, verdadeiros foguetes, super resistentes, mas os preços praticados, naquela altura, eram proibitivos e especulativos. Cheirava-me a “modinhas”.
Lá fomos nos, ávidos por ondas, para dentro de água com a visibilidade um pouco reduzida pelo nevoeiro que, entretanto, já começava a dissipar. De repente, sem que nada pudesse prever, ouço alguém aos berros: “Vou sair daqui. Vocês são todos doidos!”, e vejo o tal rapaz, e a sua prancha maravilha, a remar em direção à praia como senão existisse amanha. “É um tubarão”, gritava ele, “Um tubarão!” para, logo de seguida, ouvir um estrondo.

 Fotografia da antiga lixeira a céu aberto encostada à praia de São Pedro de Maceda. Foto Álvaro Reis, A Praia dos Tubarões, Ed. Autor, 2006, p. 45.

 

“Olho ao meu redor e está tudo impávido,

sem perceber o que se tinha passado,…”

Olho ao meu redor e está tudo impávido, sem perceber o que se tinha passado, até porque ele tinha estado uns valentes metros mais à frente do que nós. Mas, de repente, lá vimos a resposta:
Era uma Toninha!

O rapaz tinha visto o dorso de uma toninha e confundiu com um tubarão. É normal, estes pequenos cetáceos, virem para perto da costa e, algumas vezes, infelizmente, acabam por ficar retidos na areia. Ele viu aquilo, assustou-se e desatou a remar para fora da água.
Esta história não fica por aqui porque, depois de sairmos de água, e quando chegamos perto das nossas viaturas, vemos o rapaz, prostrado e infelicíssimo, com uma mossa de todo o tamanho no nose da prancha maravilha.

Com a aflição e com a pressa de sair de dentro de água, enfiou com a mesma na areia, numa pedra ou numa árvore caída junto ao mar.

 *Por Rafael Amorim  @rafael.amorim.surf

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