Da soma entre a arte da tanoaria com a arte contemporânea… nasce o TAN TAN TANN
TAN TAN TANN soa, desde logo, a uma espécie de onomatopeia que espelha o som de martelos em ação numa tanoaria. Pode até ecoar de forma quase excêntrica ao ouvido e, talvez por isso, bem como pela sua fácil memorização e identificação com o que a expressão traduz, permaneceu como nome de (um) festival que está prestes a arrancar para a sua oitava edição. Tanoeiro, tanoaria e o som TANN são afinal o vértice expressivo e nominal do Festival Internacional de Artes Performativas Contemporâneas cuja realização vai decorrer na Tanoaria Josafer, em Esmoriz, nos próximos dias 14 e 15 de junho. A iniciativa resulta do esforço conjunto entre a companhia Imaginar do Gigante, que tem a seu cargo a responsabilidade artística e da Câmara de Ovar, enquanto entidade organizadora/promotora do evento.
O projeto TAN TAN TANN tem como desígnio principal unir os diversos públicos (bem poderíamos dizer ‘os dispersos públicos’) que gravitam no meio artístico em geral e fazer com que se concentrem em torno de um evento transdisciplinar, onde a arte da Tanoaria se funde com a arte contemporânea. E, se por um lado, a ambição desta ‘empreitada cultural’ passa por mostrar o que se passa num lugar que para os mais jovens é do domínio do bizarro, até porque uma tanoaria e a arte ancestral que lhe está associada estão já e infelizmente quase em extinção, por outro lado, fazer de uma tanoaria um ‘albergue’, um ‘habitat’ ainda que temporário, de apresentação de outras práticas e formas artísticas pode também, para além do domínio da mera fruição de espetáculos e performances, quiçá evitar o desaparecimento acelerado da arte da Tanoaria.
Assumindo-se como um ‘evento de nicho’, com um alcance que nunca será o das grandes massas, pelo menos no formato prosseguido até à atualidade, nem por isso o TAN TAN TANN é hermético na demanda artística da programação e na conquista de públicos para ‘a ca(u)sa’, todos, sem exceção, são bem-vindos até ao limite da lotação que a Tanoaria Josafer permitir.
A génese no cardápio da programação desta 8ª edição do Festival Internacional de Artes Performativas Contemporâneas dá-se às 22h00, do dia 14 de junho, sexta-feira, com “Flashlight”, uma performance em vídeo a partir da projeção de objetos irregulares. O projeto criativo gera uma envolvência junto do público que é tributária de um caráter visual muito apelativo inerente ao conteúdo exposto: criando ilusões óticas e noções de movimento em objetos estáticos, como pipos, paredes, colunas… Eis um olhar distinto sobre o espaço da tanoaria e dos seus colaboradores.
Um pouco mais tarde, surge a oportunidade para desfrutar de “Olo – Um Solo Sobre Um Solo” é uma peça protagonizada por Igor Gandra, do Teatro de Ferro (companhia sediada para as bandas de Campanhã e às portas do Bonfim, no Porto). O ator, encenador, dramaturgo e cenógrafo – e também diretor artístico do FIMP – Festival Internacional de Marionetas do Porto, parte neste espetáculo à descoberta do eu e do que uma marioneta é capaz de fazer num espaço vazio. Através de um exercício de redundância imperativo para ‘o auto-conhecimento’, o intérprete questiona até que ponto o ator se descobre enquanto marioneta que se inscreve nesse espaço vazio de uma sala de ensaios. “Estaremos realmente sozinhos quando estamos em cena a solo?”, interroga-se o a(u)tor. É num mar de interrogações e na busca de uma resposta que a peça se molda. E é também sobre o papel da memória enquanto processo de evocação que se relaciona com a vida a acontecer (um processo de descoberta) de que nos fala esta peça.
A noite fecha em toada musical com o duo “Rita Silva & Mbye Ebrima”, uma fusão entre a música eletrónica de Rita Silva, uma jovem compositora do Porto com formação no famoso Instituto de Sonologia de Haia (Países Baixos) e que trabalha com sintetizadores modulares (selecionada para a importante plataforma de jovens artistas europeus SHAPE) em combinação com Mbye Ebrima, musico natural da Gâmbia, agora radicado em Lisboa, cuja tradição musical sorve o género griot e um talento natural para a kora, ele próprio canta e toca percussão, isto para além de liderar a sua própria banda. Entre as colaborações com outros músicos, registam-se as estabelecidas com Moulinex e/ou Selma Umamusse. A coisa promete ser hipnotizante.
No dia seguinte, 15 de junho, também a partir das 22h00, no seio das propostas existentes, destaca-se em primeiro lugar uma rubrica performativa em jeito de pequena caminhada: um percurso bem animado por alguns pontos da cidade de Esmoriz, que é também um espetáculo em que todos podem (e devem, já agora) participar. A jornada em questão intitula-se “Modos de Ver” e é promovida e organizada em conjunto pelas companhias Teatro Mosca e Imaginar do Gigante.
Numa pequena sinopse, pode ainda acrescentar-se que neste projeto será cada um dos espetadores a transportar a performance pelos trilhos da cidade, guiado pela voz de um narrador, como um veículo da narração, o protagonista de um espetáculo que (re)criará intimamente. A cada espetador será entregue um kit, que inclui um mp3 com auscultadores – as faixas áudio serão acionadas pelo próprio espetador. O espetáculo-percurso tem uma duração variável – em Esmoriz com início na estação de comboios e chegada à Tanoaria Josafer (jantar e entradas no festival incluídas – inscrição limitada a 20 pessoas).
“Tive 1 Ideia para 1 Dueto” (redux) Makina de Cena é a sugestão seguinte e resulta na seu estado-matriz de um trabalho de pesquisa e co-criação de Carolina Santos e Susana Nunes. A verdade é que o embrião para o espetáculo terá nascido de um prefácio de Marta Figueiredo que precede o texto/obra “Tentativas para Matar o Amor”. As actrizes e autoras assumem a condição de uma mescla criativa de coisas e narrativas textuais que aparentemente não serão delas, mas das quais se apropriam e lhe dão vida no estrado. Há movimento, dança, performance, vídeo e música ao vivo com convidados para o efeito. A febre de sábado à noite também se faz, pelo menos aqui, de alguma música clássica.
A condição multifacetada que “A Cantadeira” de Joana Negrão convoca para este espetáculo do rodapé do TAN TAN TANN constitui, por antecipação, um dos seus motivos de interesse. Convoca-se para o efeito, a condição maiúscula da: Mulher, Mãe, Cantora, Gaiteira e da Adufeira que digita melodias, ruídos cadenciados e murmúrios. O propósito é o de cantar a identidade numa tapeçaria de vozes, como linhas que se entrelaçam umas nas outras, um novelo-diapasão. “A Cantadeira” busca a inspiração nas mulheres de antigamente e nas da atualidade, nas nossas mães, tias, e avós (sim, com o valor do possessivo que as antecede na enunciação), que com as suas vozes nos embalaram, acolheram, criaram e nos deixaram o seu legado feminino, forte e emotivo. “A Cantadeira” é afinal Joana Negrão, possuidora de um percurso musical associado aos marcantes Dazkarieh até aos Seiva, agrupamento musical que integra nos tempos correntes.