“O Vos omnes”: Cantar a “Verónica” nos Passos de Ovar
Maria Clara tem uma voz muito bonita e muito afamada em Ovar. Seguindo uma tradição familiar, cantou a “Verónica” nas procissões da Semana Santa da cidade durante dezenas de anos. “A minha mãe cantou dos 18 aos 25 anos, ano em que casou, e nove anos depois comecei eu, com apenas oito anos”. Numa primeira fase, cantou até aos 15 – “ainda me lembro de estar cima de um mocho, vestidinha de branco, a cantar -, depois passei às minhas irmãs e todas elas também cantaram”.
Durante alguns anos não houve cânticos nas procissões mas, um dia, conta, “vieram convidaram-me para ir cantar nas procissões de Rio Meão e Paços de Brandão”. Pensou então: “Então ia a estes sítios e não vinha cantar à minha terra?”.
A mãe pensou o mesmo, foi falar com o padre e Maria Clara regressou para cantar na Semana Santa de Ovar. “Tinha 45 anos quando recomecei e só parei aos 73 anos, porque não conseguia andar e estar aquele tempo de pé”, justifica.
Ainda tentou transmitir a tradição de família a uma sobrinha que “também canta muito bem”. “A minha mãe aconselhou-a a aprender porque a tia Clara não ia durar sempre” (risos). Inicialmente, ela não se interessou muito, mas um dia, já crescidinha, “chegou junto da mãe e contou-lhe que tinha sonhado com a avó, falecida entretanto, e que esta lhe pedira para aprender o canto de ‘Verónica’”. E ela assim fez. Fazendo jus a uma tradição familiar, “durante algum tempo foi ela”, sublinha, orgulhosa, Clara Maia.
A memória do povo vareiro guarda com ternura o nome das “Verónicas” – sempre raparigas solteiras – que tornavam mais espectaculares as procissões dos Passos e do Enterro do Senhor, cantando, em latim, o responsório “O Vos omnes”, na Capela do Calvário, e no “Passo da Verónica”, numa melodia que, segundo documentação que possuímos, variou ao longo dos anos. De tal modo essa participação foi importante na vida de algumas dessas raparigas que o apelido “Verónica” – o povo diz, quase sempre, “barónica” – as acompanhou para sempre, passando, mesmo, às suas descendentes. Recentemente, o pároco ovarense tentou encontrá-la mas não conseguiu. Como muitos jovens da sua idade, emigrara para a Irlanda.
Assim, este ano, o cântico foi interpretado por Beatriz Amaral, aluna da Academia do Orfeão de Ovar e do ISMAE, que integra o coro da Paróquia de São João de Ovar.
“É um momento muito marcante o do cântico da Verónica”, comenta o Padre Vitor Pacheco, revelando que o cântico este ano foi interpretado em português, numa das pequenas alterações ao figurino da tradição.
O sermão do encontro foi da responsabilidade de José Gregório, natural de São João de Ovar, seminarista e sacerdote há seis anos.