Carnaval, até para o ano! – Ricardo Alves Lopes
Passo por passo, o balão esvazia. Em casa, mudam-se as roupas de local, põe-se a máquina de lavar a trabalhar em programas vários, com intensidades aceleradas. Não basta remover as nódoas, é necessário apagar os fogos de memórias dos tecidos e colocá-los no arrumo que só voltará a papel de destaque lá para Janeiro do próximo ano.
Onde estão os encontros após o trabalho? As mãos besuntadas de cola, a esponja espalhada, o esferovite a fazer barulho e o ferro a ranger? Onde estão as pessoas que povoaram as nossas últimas semanas? Onde estão os restaurantes cheios e as ruas a cantarem as marchinhas? Onde pára aquela gente toda que agora parece desaparecida? Onde estão as páginas de internet todas a desembocar para as previsões meteorológicas das próximas semanas?
Onde está tudo isso?
A vida volta à calmaria que nos habitua durante o ano. O tempo destinado aos que mais gostamos alarga-se, os jantares por casa compassam-se mais e guardamos as recordações das pessoas que gostámos de conhecer ou as enormes sensações das pessoas que nos aqueceram no reencontro. O carnaval não é só feito de encontros, também se marca pelos reencontros. Os aeroportos recompõe-se com os Ovarenses que trocam dias de sol no verão, pelas festas que aprenderam a amar na sua cidade. Levam saudades na mochila e deixam saudades nos que ficam. A vida não é fácil, o carnaval é que tem o condão de a condensar num alinhamento acima das nuvens do céu que, normalmente, preenche os nossos dias.
A zona industrial volta a estar atarefada, apenas deixa de ver carros estacionados do Malaquias até à Aldeia e constrói-se com mais fatos-macacos e menos kispos coloridos. As pessoas sorriem menos e não bebem minis, tomam cafés para aguentar as horas de expediente. A polícia não fica tão alerta, nem preocupada com os desacatos. As banda-sonoras trocam-se pelas conversas de café, as multidões pelos pequenos grupos de amigos e a debandada de pessoas de fora pelos costumeiros vizinhos.
Ovar amedronta-se com os meses que ainda faltam até ao próximo carnaval, mas anima-se com a certeza que já está a ser trabalhada a rua do azulejo. Acabou o carnaval, não acabou a cidade. As saudades que guardo são das pessoas. Umas que continuarão no dia-a-dia, outras que partiram para cidades distantes, outras que não mais voltarei a ver e ainda outras que quem sabe recuperarei. A vida não acabou, apenas o Carnaval. Mas volta.
Ricardo Alves Lopes (Ral)
www.ricardoalopes.com
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