Antiga “Casa das Lãs” ganha nova vida
A casa onde funcionou a “Casa das Lãs”, na rua Dr, Manuel Arala, no centro de Ovar, está a renascer. Adquirido em 2016 por Alain Cunha, um ovarense emigrante em França há cerca de trinta anos, o imóvel é um dos raros exemplares de fachada com inspiração Art Déco.
Nascido no lugar da Ribeira, Alain confessa que, inicialmente, o plano era remodelar para voltar a vender, no entanto, com o decorrer dos trabalhos, afeiçoou-se pelo edifício que o transporta à memória dos tempos em que, “em miúdo, ia com a minha mãe comprar lãs àquela casa”. “A minha esposa também quer muito viver nela” e, por isso deve mudar-se, na Páscoa deste ano, quando regressar de vez a Portugal.
Profissional do ramo do restauro de imóveis em França, Alain depressa fez o diagnóstico das necessidades do centenário imóvel. “Era preciso recuperar a fachada, e com ela os azulejos, e renovar a cobertura, pelo menos, pois a casa já tinha certidão de ruína”.
Dar início ao processo não foi fácil. Josina Costa, a arquitecta que desenhou o projecto, lembra, desde logo, que “por estar na Zona Especial de Protecção das Capelas dos Passos de Ovar tivemos que pedir pareceres e autorizações à Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro (CCDRC) e depois ao Atelier de Conservação e Restauro do Azulejo de Ovar (ACRA)”. Isabel Ferreira, técnica que coordena o ACRA, uma valência da Divisão de Cultura da Câmara Municipal de Ovar, explica que o prédio deve datar da década de 10 ou 20 do século passado, “sendo um exemplar raro de arquitectura de inspiração Art Déco nesta região, revestido em parte por azulejos interessantes”.
Trata-se de um azulejo de época, biselado e que, normalmente, não preenche todo o edifício, o que se confirma no caso, ocupando apenas a parte inferior da fachada. Mas na “Cidade Museu do Azulejo”, qualquer intervenção em fachada é sempre encarada com o máximo de cuidado. “Este azulejo foi produzido pela mesma fábrica de Gaia que viria a tornar-se, ao longo do século passado, no principal fornecedor de Ovar”, informa Isabel Ferreira.
O objectivo de Alain sempre foi conservar ao máximo todos os elementos da fachada, recuperando as linhas originais, chegando ao ponto de devolver passeio ao espaço público, ao retirar as montras que pertenciam à loja comercial. O proprietário empenhou-se pessoalmente na obra e, embora se encontre a trabalhar nem França, vem a Ovar um fim-de-semana por mês para acompanhar, dar sugestões e colaborar nos trabalhos.
“A remodelação de toda a caixilharia das janelas, única e rara, mantendo-lhe a traça original, foi feita por mim”, garantiu-nos, orgulhoso.
A responsável do ACRA acrescenta que o interesse do proprietário tem sido fundamental para o sucesso da intervenção, o que a torna num caso exemplar: “É ele quem tem sugerido argamassas e vernizes que se adequam muito bem à obra, por exemplo”. “Ele faz questão de querer manter a cor original, que é a mais tradicional para este tipo de casa”, exemplifica, apontando que “tudo tem contribuído para que esta seja uma reabilitação bem feita”.
No interior, segundo Josina Costa, “manteve-se apenas um elemento que é a escada”, no restante, “teve que se fazer grandes alterações estruturais, mas a obra começa a ganhar agora forma, podendo ver-se que ficará dotada de todas comodidade de uma casa moderna, incluindo isolamento acústico e térmico”.
Alain Cunha revela que, no pateo das traseiras, vai instalar calçada típica portuguesa, com diversos motivos em ferro, igualmente tradicionais nas casas vareiras. Regozija-se por ter “pensado tudo ao pormenor” e de ter conseguido imprimir neste projecto “um compromisso entre o moderno e o que era antigo e tradicional nesta zona da cidade”, repartindo os louros com toda a equipa que tem dado o seu contributo na obra.
“Embora não seja caso único em Ovar, estamos muito contentes com o trabalho que está a ser feito nesta casa”, avalia Isabel Ferreira.
Um Gabinete do Património
Alain Cunha não esteve à espera que lhe dissessem o que fazer e investigou, procurou e informou-se para avançar rapidamente com os trabalhos e, ao mesmo tempo, sem falhas do ponto de vista legal.
O vareiro emigrado em França tem a noção que é um caso raro: “Faltam apoios para este tipo de projectos e quando os há escasseia a informação sobre como aceder a eles e os proprietários destes imóveis, já idosos na maior parte dos casos, não têm paciência para andarem à procura e fica tudo mais difícil…”
De acordo com a sua experiência, “a Câmara Municipal ou o ACRA deviam constituir uma equipa apenas para dar resposta a este tipo de projectos”. Na óptica de Isabel Ferreira, que concorda com a ideia, “a criação de um gabinete podia ajudar o proprietário a fazer a ligação com empresas que se dedicam a este trabalho, concorrendo para uma reabilitação bem feita”. A técnica refere que além dos trâmites administrativos, aos quais o dito gabinete poderia auxiliar, “tem-se a ideia de que uma reabilitação é muito cara, o que não tem que ser necessariamente verdade”.
A recolha de experiências como a de Alain Cunha podem ser ajudas preciosas para o futuro. Fazer como outras cidades é outra possibilidade, elaborando um manual com as informações de como licenciar, reabilitar e conservar.
Claro que nada substitui a motivação de um proprietário atento e zeloso como Alain que, a título de exemplo, correu com a equipa de uma conhecida empresa de telecomunicações que se preparava para perfurar as paredes e fazer passar fios e cabos.