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A Síria mudou, mas os Alkhamis ainda esperam para ver

Dizem que a Síria voltou a ser um país livre com a queda de Bashar al-Assad mas já não pensam regressar.

Ali Alkhamis, Nada e os seus quatro filhos, a família síria radicada em Ovar há quase dez anos, não pensa em regressar ao seu país apesar da mudança de regime operada naquele país.

Ao OvarNews, Ali explica que “as coisas ainda não estão claras”. “As sanções económicas, o que resta do regime deposto, o apoio do Irão e a presença de bases militares russas não nos permitem pensar nisso”. No entanto, já olha para o seu país com outros olhos: “Estamos confiantes de que as coisas melhorarão no futuro com a liderança de Ahmed Al-Sharaa, o atual líder”.

A integração quase perfeita desta família síria em Ovar é um exemplo da forma da forma de acolhimento da comunidade vareira num momento em que a crise dos refugiados dividia a Europa.

Ali Alkhamis, de 48 anos, que com a mulher Nada Al Nadaf, de 39, se instalou na Habitovar, há cerca de 10 anos, garante que “estamos bem integrados e adoramos viver aqui”. “Aliás, a minha casa na Síria foi destruída, não tenho para onde ir”, lamenta, mas está confiante em Ahmad al-Sharaa, também conhecido por Abu Mohammad al-Jolani, líder do grupo islamita sírio Organização de Libertação do Levante (Hayat Tahrir al Sham ou HTS, em árabe), que derrubou o regime do antigo presidente Bashar al-Assad em 08 de dezembro passado. “Tem fama de justo e não tolera a corrupção”, acrescenta Ali.

Recorde-se que, nos primeiros dois anos de estadia, a família contou com o apoio da União das Freguesias de Ovar que, por conta própria (protocolo com a Plataforma de Apoio aos Refugiados esteve agendado mas nunca aconteceu), auxiliou na integração, tendo posteriormente accionado outros mecanismos de apoio social. “Já não moramos na Habitovar, mudamos a casa mas ainda estamos a viver em Ovar”. “Os filhos – três meninas e um rapaz já nascido em Portugal há dois anos, têm os amigos na escola, os nossos vizinhos são muito amigos e nem nos passa pela cabeça sair daqui”. “As minhas filhas estudam aqui em Portugal e não seria fácil para elas adaptarem-se lá”, justifica.

Todos estes fatores conjugados, levam-no a reafirmar que, “no momento, não estou a pensar em regressar à Síria, porque é preciso que o governo prove ser forte e justo. Há esperança”.

Mas não se pense que Portugal tem sido um ‘mar de rosas’: “A vida aqui é difícil para nós, mas adaptamo-nos bem à situação”

A primeira família de refugiados sírios a entrar em Portugal,
trazida pela organização ‘Famílias como as Nossas’, chegou a Ovar em novembro de 2015. À sua espera estava uma máquina de costura para Ali, alfaiate de profissão. “Trabalhei numa fábrica de costura em São João da Madeira durante cinco anos, mas entretanto fechou e fiquei desempregado. Estou à procura, mas ainda não tive sucesso”. Mas nem a falta de sorte do chefe de família os faz trocar a vida que levam por outra. Afinal, parece pouco para quem já enfrentou uma guerra.

A Fuga

Foi às 5h da manhã, do dia 25 de agosto de 2015, que abandonaram Raqqa. A sua cidade, na altura a capital não oficial do Estado Islâmico, fica a 90 quilómetros da fronteira turca, mas a passagem estava encerrada, “não dava para sair, a Turquia fechou a porta”, contou, na altura. Ele, a esposa, Nada, e as três filhas pequenas — Dimas, de nove anos, Inas, de sete, e Rimas, de quatro — caminharam então até Aleppo, e de lá deram o salto para o país vizinho, ilegais. Começava aí a rota da família Alkhamis rumo a um recomeço — a Turquia não era o destino final. “Os turcos usam os refugiados para manobras políticas, como xadrez”, opina Ali, que nove dias depois já tinha pago uma viagem pelo mar Mediterrâneo, num pequeno bote de borracha, rumo à ilha grega de Samos. Duas horas e 45 minutos, os cinco atados com um cordel para que nenhum se perdesse na travessia.

Quando o Daesh tomou Raqqa, tudo mudou muito para eles. Passou a ser obrigatório rezar na mesquita. Se apanhassem alguém na rua à hora da oração, era levado para a prisão e davam-lhe 40 chicotadas”, recorda. Qualquer pessoa que dissesse uma palavra contra o Daesh era infiel.”

Quando saiu do seu país natal, a Síria, Ali Alkhamis tinha um objectivo: chegar à Alemanha, onde tinha um irmão a viver, e onde achava que conseguiria alcançar a meta que o fez percorrer milhares e milhares de quilómetros: proteger a família.

Foi através da internet que contactou um traficante para fazer a travessia de barco entre a cidade de Izmir e a ilha de Lesbos, na Grécia. “Combinei com a pessoa que ia numa embarcação com capacidade para 30 pessoas, com oito metros de comprimento. Para meu espanto, entraram 47 pessoas numa embarcação com seis metros”, contou Ali.

Como sabia que muita gente morria durante estas viagens, Ali comprou coletes salva-vidas para a família, bem como braçadeiras para as três filhas e levou cordel para se atarem uns aos outros, para não se separarem caso o barco virasse. “Graças a Deus conseguimos chegar à praia na Grécia e aí senti que estávamos a salvo”, recordou, em lágrimas.

Consegue comprar bilhetes para o barco que os leva até Atenas, onde “estavam pessoas que, mediante pagamento, os põem em autocarros com destino à Macedónia”. Na Macedónia esperam seis horas para entrarem na Sérvia e já na Sérvia andam a pé sete quilómetros para chegarem ao campo de refugiados. Daí caminham mais cinco quilómetros para apanharem o autocarro que os vai levar até à Croácia, onde foram “muito bem recebidos pelas autoridades”.

Da Croácia, partem de autocarro para a Hungria, onde foram “muito mal recebidos”, e dali continuam viagem até à fronteira da Áustria. A partir da fronteira, caminham a pé mais de sete quilómetros até ao campo de refugiados e daí pagam 150 euros para um táxi os levar até à capital, Viena.

Mas é quando já está na Áustria, à procura de comboio que os pudesse levar até ao destino final, que tudo muda e de repente Portugal, aquele país do qual só conhecia o futebol, aparece como a casa que os pode receber.

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