Opinião

A Cultura dos Exames: Um Mito Que Precisamos Reavaliar – Por Dr. Eurico Silva

Em Portugal, é comum ouvir dizer: “Vou ao médico fazer uns exames para ver se está tudo bem.” Esta frase reflete uma prática profundamente enraizada na nossa cultura, mas que precisa de ser questionada. A ideia de que a saúde se garante através de análises de sangue, urina ou radiografias de rotina, quando estamos aparentemente bem, não é sustentada pela evidência científica. Mais do que isso, esta abordagem pode causar mais prejuízo do que benefício.

Os chamados exames complementares de diagnóstico têm uma finalidade muito clara: ajudar o médico a confirmar ou excluir um problema de saúde quando há suspeita de alguma alteração. Como o próprio nome indica, são complementares, ou seja, servem para apoiar um diagnóstico ou decisão clínica, mas não substituem a avaliação médica. Fazer exames “só para ver se está tudo bem”, sem qualquer queixa ou sintoma, raramente traz benefícios e pode, pelo contrário, ter consequências inesperadas.

Os riscos de realizar exames desnecessários

Quando um exame é realizado sem uma razão clínica concreta, os resultados podem gerar mais dúvidas do que respostas. Por exemplo, é relativamente comum encontrar pequenas alterações que não têm qualquer significado clínico, mas que podem levar a uma cascata de novos exames ou procedimentos. Esta cadeia de acontecimentos pode causar ansiedade, custos elevados e até complicações desnecessárias.

Outro aspeto a considerar é o sobrediagnóstico, que ocorre quando se identificam problemas que nunca teriam impacto na vida da pessoa. Nesses casos, o tratamento que se segue pode ser mais prejudicial do que o problema identificado. Além disso, exames como radiografias envolvem exposição a radiação, que, acumulada ao longo do tempo, pode trazer riscos à saúde.

A cultura dos exames: responsabilidade partilhada

Este hábito de pedir exames não está apenas enraizado nos pacientes, mas também em alguns serviços de saúde, que podem ter interesse na realização de mais testes. Em muitos casos, há também a expectativa de que uma “boa consulta” inclua a requisição de análises ou exames, o que não é verdade. Uma boa consulta baseia-se na comunicação entre médico e paciente, na análise dos fatores de risco, dos antecedentes médicos e dos sintomas apresentados.

É importante compreender que nem sempre pedir exames é sinónimo de boa prática médica. Na realidade, a decisão de requisitar exames deve ser sempre ponderada, considerando os potenciais benefícios e prejuízos.

O que deve fazer o paciente?

Se o seu médico lhe disser que não precisa de fazer exames, confie na sua avaliação. Não hesite em questionar sobre os benefícios e os riscos de realizar um determinado teste. Perguntar “Qual é o objetivo deste exame?” ou “O que acontece se eu não o fizer?” ajuda a tomar uma decisão mais informada.

A decisão partilhada entre médico e paciente é a melhor forma de garantir que as escolhas feitas são equilibradas e informadas. Ao mudar esta cultura de dependência dos exames, estamos não só a proteger a nossa saúde, mas também a utilizar os recursos de forma mais consciente e responsável.

Há uma iniciativa mundial de literacia em saúde que recorre à melhor evidência científica o Choosing wisely e que está traduzido e adaptado pela nossa ordem dos médicos. convido-vos a ler mais um pouco: https://ordemdosmedicos.pt/files/pdfs/6F6u-Medicina-Geral-e-Familiar-2.pdf

Lembre-se: a saúde não se mede pelo número de exames realizados, mas pela qualidade das decisões tomadas em conjunto com o seu médico.

Dr. Eurico Silva
USF João Semana

 

 

 

 

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