A arte milenar de tear tem um “santuário” em Pardilhó
A tecelagem tradicional continua em risco de desaparecer, mas os irmãos Tavares, de Pardilhó, insistem em contrariar a tendência
Fios verticais e horizontais que se entrelaçam. Teias que cruzam com a trama. O ato de tecer é simples e milenar. Pura arte. Como resultado, o tecer pode gerar diversas peças como tapetes, mantas, roupa, etc.
Assim, nascem os distintivos tapetes de Pardilhó que se encontram, hoje, espalhados um pouco por todo o mundo (Macau, Irlanda, Rússia, Brasil, Dubai, etc) e em qualquer canto onde houver pardilhoenses.
Em Pardilhó, no concelho de Estarreja, há uma casa que pode considerar-se um santuário deste mester outrora sustento abraçado por dezenas de mulheres pardilhoenses.
Logo à saída da estrada municipal Ovar/Pardilhó havia uma placa a indicar o caminho, mas o “Tear” retirou-a porque custava 250 Euros por ano em taxas municipais e é preciso poupar para aguentar a conjuntura.
Use-se o GPS para encontrar a casa que Anabela, Rosa e Manuel Tavares transformaram num museu vivo do tear, onde se pode ver a tecer e aprender como se faz. É a Casa do Tear, inaugurada em 2012, uma residência agrícola transformada em museu com espaço para exposições, atelier de tecelagem, loja de artesanato e um café aberto ao público.
Os três aprenderam com a mãe que passava largos dias ao tear mas nada indicava que os filhos lhe seguissem o caminho. Depois de tirados os cursos superiores, as saudades apertaram ao ponto de se aventurarem neste projeto comum na casa que já fora dos avós maternos.
Anabela Tavares, por exemplo, é engenheira civil e deixou a sua profissão para se dedicar às incertezas do tear. Com ela, embarcou o irmão Manuel que depois de viajar por meio mundo também aterrou ali. Rosa ajuda mas preferiu manter a sua profissão de professora.
«Quando abrimos tínhamos vontade, muita ingenuidade e alguma loucura agora transformadas em teimosia e persistência», desvenda Anabela aludindo às dificuldades de manter a aposta na tradição. Os teares são diferenciadores de Pardilhó, mas isso não chega: os três precisam de quem os ajude a manter aquela casa. É que a tecelagem vem de um passado longínquo, batalha no presente mas tem tudo para ter futuro.
Quando as mulheres teciam estavam longe de imaginar que volvido apenas meio século, a sua atividade se tornaria num flagrante exemplo da economia circular e sustentável que transforma em novos produtos desperdícios da indústria têxtil portuguesa. Tudo manual e a pedal, com pégada carbono zero.
O tear é, pois, amigo do chamado «Slow Living», expressão tão do agrado dos ingleses, pois o seu processo é lento, o que torna mais exclusivas as peças que produz. Por isso e por ser eco-sustentável gera mais valor agregado. É arte.
Mas não é fácil viver dos teares. «É artesanato tradicional, implica espaço, dedicação mas não tem retorno imediato. É complicado», reage Anabela Tavares. «Não é artesanato urbano, que se possa fazer no sofá a ver televisão», avisando que se enerva quando vê imitações expostas por aí ao dobro do preço das suas peças. «Custam o dobro mas duram metade». Para contrariar esta realidade, a Casa do Tear criou a etiqueta «100% Manual» para os seus tapetes. Mas «isso somos nós porque não há quem fiscalize ou certifique». Mas Anabela não pensa desistir: «Enquanto tiver força, a tecelagem não acaba nesta casa, porque este é um projeto familiar» – embora a matriarca nunca lhes tenha pedido nada e até perguntava: «Vejam lá no que se metem».
Neste momento, há três pessoas a tecer naqueles teares, uma delas tem perto de 80 anos, a outra andará na casa dos 50, mas trabalha numa fábrica e só depois das oito horas diárias é que se dedica ao tear. «É preciso gostar muito», avalia Anabela. Estar permanentemente a urdir é complicado quando se tem um estabelecimento hoteleiro aberto e passam por lá associações, visitas de estudo, grupos. «A todos fazemos visitas guiadas, se tal for solicitado», revela, em, jeito de convite.
Atenção das novas gerações
Vai ser preciso esperar por estas gerações a quem se explica que era uma actividade comum na zona ribeirinha de Estarreja e Murtosa. «Mas foi em Pardilhó que ganhou outra dimensão. Todas as casas tinha um tear para produção própria que respondia à ânsia das raparigas fugirem à agricultura».
Chegadas a uma certa idade, as meninas tinham de escolhar um de três caminhos: serem empregadas de servir, aprender a costura (mas era necessário pagar a quem ensinasse) ou a tecelagem. Claro que muitas ficavam no tear. Depois, os maridos ou outros familiares iam para Lisboa ou outras cidades trabalhar e levavam os tapetes que eram admirados, vendidos e valorizados. Os tapetes de Pardilhó chegaram a ser vendidos nos Grandes Armazéns do Chiado, na capital, no tempo em que chegou a haver 150 mulheres a trabalhar nos teares em Pardilhó.
Exposição e vida do Tear
Na Casa do Tear, há uma sala com teares artesanais preparados à sua espera se quiser colocar as mãos… no fio. No museu, há mais em miniatura na exposição que, curiosamente, também funcionam.
A sério, estão à disposição três equipamentos, de diferentes tamanhos, vindos de épocas diferentes.
Nos dias quentes que se aproximam, o jardim lança aromas no ar, bem cuidado e festivo, convida a uma estadia na esplanada a degustar um chá gelado ou um sumo.