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A arquitetura dos grandes eventos mundiais – Tiago Matos Vital

Depois dos Jogos Olímpicos de Verão de 2024 em Paris, Tiago Matos Vital já se encontra em Itália na preparação dos Jogos Olímpicos de Inverno de 2026, que vão acontecer em Milão-Cortina.

OvarNews (ON): Tiago, com uma carreira que já te levou por vários continentes e agora na tua terceira Olimpíada, o que significa para ti este percurso?

Tiago Matos Vital (TMV): Quando comecei neste setor, nunca imaginei que um dia estaria envolvido em três edições dos Jogos Olímpicos. Cada evento trouxe desafios únicos, seja pela dimensão, pelo contexto cultural ou pelas exigências técnicas. Mais do que um trabalho, encaro isto como a construção de legados — não apenas de infraestrutura, mas também de conhecimento e experiência para futuras gerações de profissionais de eventos.

A Influência do Desporto na Formação Pessoal e Profissional

ON: O teu percurso profissional está profundamente ligado ao desporto. Para além da gestão de grandes eventos, também tiveste uma ligação pessoal à prática desportiva. Como é que isso influenciou a tua carreira?

TMV: Joguei andebol durante muitos anos na Artística de Avanca, e essa experiência foi determinante na minha formação enquanto indivíduo e profissional. O desporto coletivo ensina-nos a trabalhar em equipa, a lidar com a pressão e a tomar decisões rápidas em momentos cruciais — competências que são essenciais na gestão de eventos de grande escala.

A exigência do andebol ajudou-me a desenvolver uma mentalidade resiliente e disciplinada. No desporto, aprendemos a lidar com derrotas, a reagir a adversidades e a manter o foco na melhoria contínua, qualidades que aplico diariamente na gestão de projetos complexos. Além disso, o espírito de equipa que vivi na Artística de Avanca moldou a minha abordagem à liderança: acredito que um bom gestor é aquele que sabe potenciar o talento dos outros e criar um ambiente de colaboração e compromisso.

Outro fator determinante foi a imersão nas culturas locais desde cedo. Através do desporto, fui exposto a diferentes realidades, conheci pessoas com visões distintas e aprendi a adaptar-me a diferentes contextos. Esse sentido de envolvência tornou-se essencial na minha trajetória internacional, permitindo-me compreender e respeitar as especificidades de cada país e evento em que trabalho.

Gestão de Projetos em Megaeventos

ON: Agora estás na Arena Santa Giulia, um dos palcos centrais das Olimpíadas de Inverno de 2026. Como é gerir um espaço desta envergadura?

TMV: A Santa Giulia será um ponto nevrálgico para os Jogos, acolhendo o hóquei no gelo, uma das modalidades mais icónicas do evento. O Venue Overlay Manager, deve garantir que a infraestrutura temporária e as operações do recinto sejam integradas de forma eficiente com o espaço permanente. Trata-se de um jogo de precisão, onde cada detalhe conta, desde a logística dos atletas à experiência do público e transmissão televisiva.

Gerir um projeto desta magnitude exige uma abordagem estruturada e multidisciplinar. A coordenação entre fornecedores, autoridades locais, equipas técnicas e patrocinadores precisa de ser feita com uma visão estratégica, para que tudo funcione dentro do cronograma e orçamento estabelecido. Além disso, a flexibilidade é essencial, porque num evento desta escala, imprevistos são inevitáveis. A chave está em antecipar riscos e encontrar soluções rápidas e eficazes.

Impacto Social dos Grandes Eventos

ON: Os Jogos Olímpicos de Inverno apresentam desafios distintos dos eventos de verão. Como se diferencia o planeamento?

TMV: A principal diferença é a influência do clima. As infraestruturas precisam de resistir a temperaturas extremas, e a logística tem de ser impecável para evitar falhas operacionais que possam comprometer as provas. No caso da Arena Santa Giulia, sendo um recinto indoor, o desafio está mais no equilíbrio entre conforto térmico e eficiência energética. A sustentabilidade é um foco essencial, alinhado com os objetivos de Milano Cortina 2026.

Mas há também uma componente social muito importante. Os grandes eventos não devem ser vistos apenas como uma questão de espetáculo e desempenho desportivo, mas como motores de impacto social e económico. Há um trabalho crucial na forma como estas competições deixam um legado para a comunidade local, quer através de infraestruturas que possam ser reutilizadas, quer pela capacitação de profissionais e pelo envolvimento da população no evento. O objetivo é garantir que, depois da cerimónia de encerramento, o investimento continue a beneficiar a cidade e os seus habitantes.

Competências para a Liderança em Projetos Culturais e Desportivos

ON: Já que falas em sustentabilidade, sendo um tema que sempre destacaste na tua trajetória, como vês a evolução nesta área nos grandes eventos?

TMV: Felizmente, a sustentabilidade deixou de ser um tópico opcional e passou a ser uma obrigação. No meu percurso, desde o COP26 até aos Jogos Olímpicos, vi um salto qualitativo nesta área. Hoje, há uma preocupação real com a redução de emissões, reutilização de materiais e até no impacto social das infraestruturas. Em Itália, estamos a trabalhar com fornecedores locais e soluções de baixo impacto ambiental, o que reflete um compromisso mais profundo com o futuro do setor.

O Futuro dos Eventos e o Papel da Inovação

ON: Depois de Milano Cortina 2026, o que vem a seguir para Tiago Matos Vital?

TMV: O setor dos eventos continua a evoluir, e eu quero continuar a contribuir para esse crescimento. Seja através de projetos de grande escala, consultoria estratégica ou mesmo na formação de novas gerações de profissionais, o meu objetivo é continuar a desafiar os padrões e garantir que os eventos do futuro sejam mais eficientes, sustentáveis e impactantes.

Portugal, em particular, está a entrar numa fase extremamente rica, com a confirmação de pelo menos três grandes eventos internacionais até 2030. Isto representa uma oportunidade única para consolidarmos o setor, não apenas em termos económicos, mas, sobretudo, no seu valor cultural. Não podemos continuar a virar a cara ao setor dos eventos nem a tratá-lo como algo secundário no enriquecimento da sociedade. Estes eventos são mais do que entretenimento: são plataformas de identidade, inovação e desenvolvimento.

Temos de garantir que o país tira partido deste momento, profissionalizando ainda mais o setor, criando condições para que os eventos deixem legados estruturais e reforçando a sua importância na cultura nacional. A economia beneficiará naturalmente deste crescimento, mas é essencial que o foco vá além das receitas imediatas. O verdadeiro impacto dos eventos mede-se na transformação que deixam nas cidades, nas comunidades e na forma como posicionam Portugal no mapa global da cultura e do desporto.

ON: Obrigado, Tiago. Continua a inspirar o setor com a tua experiência e visão.

TMV: Obrigado! Foi um prazer.

 

 

 

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