A democracia não é um jogo de cadeiras – Por Diogo Sousa

A política deve ser um compromisso sério com os eleitores, não um jogo de ambições pessoais ou um exercício de conveniência estratégica dos partidos. No entanto, as próximas eleições expõem uma prática que deve ser fortemente condenada: a dupla candidatura.
Não é aceitável que haja deputados que, estando a concorrer às legislativas antecipadas de maio, já estejam também posicionados para disputar as autárquicas de setembro/outubro. Igualmente grave, há aqueles que, paralelamente às legislativas, preparam candidaturas às presidenciais de janeiro do próximo ano.
Esta prática é um desrespeito pelos eleitores e pelo próprio sistema democrático. Candidatar-se a um cargo político significa assumir um compromisso com o mandato e com a responsabilidade que ele acarreta.
Quando alguém se apresenta a mais do que uma eleição em simultâneo, está, na prática, a admitir que não está realmente empenhado em nenhuma delas. Está a colocar o seu próprio interesse – e, também, o interesse do partido – acima da seriedade e da dedicação que a política exige.
O que pensar de um candidato que pede o voto dos cidadãos para ser deputado, sabendo que, poucos meses depois, poderá abdicar do cargo para assumir uma câmara municipal? Ou de um político que concorre a deputado apenas como um trampolim para uma futura candidatura presidencial? Isto não é serviço público, é oportunismo.
Pior ainda, os partidos que aceitam e promovem estas duplas candidaturas revelam um profundo desrespeito pelos eleitores. Ao permitirem que uma mesma pessoa figure em diferentes boletins de voto num curto espaço de tempo, mostram que veem os cargos públicos como peças que servem interesses privados, em vez de funções essenciais ao bom funcionamento do país.
Mesmo aqueles que concorrem num lugar dificilmente elegível nas legislativas devem ter o discernimento de não acumular candidaturas. O argumento de que uma candidatura simbólica não tem consequências reais não é válido – qualquer candidato, independentemente da sua posição numa lista de legislativas, está a associar-se a um projeto e deve estar disponível para assumir o cargo caso venha a ser chamado ou prestar apoio aos eleitos.
Aceitar uma candidatura apenas para “preencher listas” ou para “ganhar visibilidade” enquanto se mantém numa lista para outra eleição, principalmente uma eleição como as autárquicas, não é compatível com a seriedade que a política exige.
Se um candidato não está verdadeiramente empenhado ao seu município ou à sua freguesia, então simplesmente não se deve candidatar.
Esta estratégia prejudica a democracia porque cria confusão entre os eleitores, que votam em alguém sem saber se essa pessoa irá realmente cumprir um mandato; reduz a qualidade da representação política, pois os eleitos podem estar mais preocupados em gerir a sua próxima candidatura do que em desempenhar eficazmente as suas funções; e revela uma evidente procura de capturar um cargo público para beneficiar interesses pessoais em detrimento do interesse coletivo.
Além disso, perpetua a ideia errada de que a política é apenas para um pequeno grupo de profissionais que circulam entre cargos públicos, afastando novos rostos, novas ideias e a participação dos jovens. O resultado? Uma classe política cada vez mais distante dos cidadãos e muito menos credível.
A solução para este problema é simples. Quem se candidata a um cargo político deve comprometer-se com ele. Assim, se um deputado quer ser Presidente de Câmara ou Vereador ou Presidente de Junta, que renuncie integrar a lista das legislativas antecipadas, ou seja, que seja uma pessoa com ética e simplesmente não se candidate nas legislativas.
Os eleitores merecem políticos que respeitem a sua escolha e que assumam as suas funções com seriedade. A política precisa de mais compromisso e menos oportunismo. Chega de jogadas estratégicas que só beneficiam os partidos e os próprios candidatos – a democracia merece respeito.
Diogo Fernandes Sousa
Escritor do Livro “Rumo da Nação: Reflexões sobre a Portugalidade”
Professor do Instituto Politécnico Jean Piaget do Norte