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“O que fazer com Deus em parte incerta?” – Virgílio Castelo

E se Deus se fartasse de tudo e desaparecesse? É este o tema central de Haja Deus, se Deus Quiser, o mais recente romance de Virgílio Castelo que dá a Fernando Pessoa, recém-chegado ao céu, o papel de aventureiro que, prescindindo do seu suposto Eterno Descanso, parte em busca do criador.

Virgílio Castelo, homem dos palcos, telas e programas de humor, esteve no FLO nesta terça-feira, para nos dizer o que aconteceu a Fernando Pessoa após a sua morte.

“Haja Deus, se Deus quiser” é o terceiro romance de Virgílio Castelo, encerrando uma trilogia começada com “O último navegador” (2008), seguida de “Depois do divórcio” (2014), explicou o ator, autor e ficcionista, acrescentando que os dois primeiros romances eram “uma tentativa de reflexão sobre Portugal” e “sobre o amor”, respetivamente, temas que, tal como o do novo livro, sempre lhe levantaram interrogações.

“Se calhar, são os temas que nunca consegui resolver, que nunca consegui perceber”, observou, ressalvando que “a questão da morte é talvez a inquietação mais profunda e com menos resposta”.

O ‘plot’, a trama para o novo romance surgiu-lhe em 1978, quando ainda era estudante de teatro em Estrasburgo. E “no meio das preocupações pessoais sobre Deus e as religiões”, pensou que “devesse ser engraçado criar uma situação em que haveria uma ausência de Deus”.

A ideia de alguém chegar ao céu para ouvir o juízo final e Deus estar ausente pareceu-lhe “uma boa ideia”. Difícil foi desenvolver a narrativa, ficando quarenta anos em espera.

Há perto de cinco anos assistiu a uma conferência sobre Fernando Pessoa e teve “uma espécie de epifania” ao perceber que o autor de “Mensagem” era a personagem indicada para chegar ao céu e Deus ter desaparecido.

Imaginou o céu como “um grande escritório, onde estão todos os santos, teólogos, papas, padres e beatos a preparar os processos individuais [de cada morto], para depois os submeterem a Deus”, a que aliou o facto de o escritor ter sido também “um empregado de escritório por excelência”.

Chegado ao Céu, o poeta maior da língua portuguesa percebe que este é um gigantesco escritório, onde santos, beatos, filósofos, profetas, apóstolos, poetas, artistas, teólogos e afins trabalham exaustivamente a preparar os processos individuais de cada mortal para Deus apreciar e decidir o respetivo Juízo Final.

Ainda mal refeito da descoberta, Pessoa apercebe-se que o pânico começa a tomar conta de céus, terra, mundos, universos e entidades correlativas. Porquê? Deus, afinal era um prolongamento dos patrões dos vários escritórios onde trabalhou em vida, decidiu não aparecer para trabalhar. O que fazer com Deus em parte incerta? Ninguém, vivo ou morto, sabe. É então que o poeta dos heterónimos troca o sono dos justos, a que aparentemente teria direito, por uma frenética e mirabolante aventura por céus nunca dantes navegados, em busca de Deus.

Leve, divertido, mas revelador de um talento literário, foi assim a presença em Ovar do reconhecido a(u)tor.

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