É um museu? Uma loja de souvenirs? Um pequeno parque de diversões?
A dúvida instala-se nos primeiros instantes de quem passa frente à moradia da família Soares. Um olhar mais demorado faz perceber que se trata de uma casa privada de alguém com um particular sentido de humor que se quis diferenciar de toda a vizinhança.
No terraço, uma família de estátuas cumprimenta com manguitos e línguas de fora quem passa na rua: pescadores, toureiros, varinas e até o Santo André, o santo pescador.
Lá dentro, junto à entrada da casa, dezenas de painéis evocativos do Sporting. No portão da garagem, pintado em traço naif, um painel com as figuras típicas da região, onde não falta o cão “tatu”, o rafeiro do artista da casa.
Jean, um menino de 8 anos luso-descendente, posa em frente ao portão. “Je veux un photo.” A avó Maria da Luz faz-lhe a vontade. “É fixe. É típico. É original e diferente”, comenta esta família que vive nos arredores de França. Batemos à porta para conhecer o artista desta obra. Ninguém atendeu.
Mas não nos damos por vencidos. Um pouco de investigação e descobrimos que é o casal Soares o dono da casa da bonecada. O senhor Manuel Soares e a dona Lucina Leal, ambos acima dos 80 anos, são amiúde abordados para saber a história daquelas vistosas criações. Cada história tem o seu princípio e esta casa não foge à regra.
O casal é natural de Santa Maria da Feira. Manuel foi trolha e ela gaspeadeira de sapatos (ponteava e pregava a parte superior e dianteira dos sapatos em fábricas de calçado).
Viveram sempre ‘descalços’ e admiravam a vida dura dos pescadores. A adoração pelos vareiros levou Lucina a perguntar ao marido: “ó Nel, tu que és tão jeitoso de mãos e fazes tantas coisinhas, porque não me fazes uma vareira aqui para casa?” E Manuel construiu a primeira estatueta em cimento e argamassa de uma vareira da região a carregar peixe. Foi há quase 30 anos. A primeira de uma grande família.
O Nel faz estas brincadeiras para se entreter, para animar a malta que passa e atrair mais pessoas para a região, que tem tanta coisa bonita.
E de vez em quando põe-se ao largo a apreciar as reações. Há quem passe, goste e até tire fotos. Outros passam e acham uma macacada, fazem pouco daquilo. Não se rala – “enquanto puder mexer-me, vou fazer estes bonecos”, diz ele que é um sportinguista dos sete costados.
Os bonecos estão por todo o lado e Lucina anda sempre toda raspada de dar cotoveladas sem querer naquelas estátuas, quando anda pela casa. O marido não a deixa vender nada.
Bem, um dia conseguiu fazer bom dinheiro com um marco do correio com cara de carteiro que lhe quiseram comprar. O Nel viu e fez logo outro igual.
O Furadouro é também a praia da casa das estátuas das varinas e dos bonecos a fazer manguitos e de língua de fora.
Obrigado, família Soares! Nunca percam o bom humor.