A Casa do Concelho de Ovar em Lisboa – Por José Neves
Lisboa, como todas as grandes cidades cosmopolitas, acolhe dentro dos seus muros pessoas oriundas de localidades nacionais e estrangeiras que, para poderem confraternizar mais assiduamente com os seus conterrâneos, fundam colectividades.
Na capital existiam, em 1950, entre outras, as “Casas de Arganil”, das “Beiras”, do “Alentejo”. Talvez por isso, José Augusto da Cunha Lima insistiu, desde então, numa campanha, a que o extinto semanário “Notícias de Ovar” deu cobertura, para que fosse fundada a “Casa do Concelho de Ovar em Lisboa”.
Teve lugar em 19 de Junho de 1952 uma primeira reunião de ilustres ovarenses que aderiram a esta causa, tendo sido ali constituída uma comissão organizadora, formada pelos seguintes bairristas vareiros: Afonso Pereira de Carvalho, António Pinho Branco, Armando Oliveira Soares, Artur de Oliveira Faneco, Francisco de Oliveira Faneco, José André Redes, José Augusto da Cunha Lima, Manuel de Oliveira Ventura e Pelágio José Ramos.
Assim se fundava, em Junho de 1952, a “Casa do Concelho de Ovar em Lisboa”. As primeiras reuniões foram realizadas ao ar livre, beneficiando do arvoredo amigo de uma esplanada da Avenida da Liberdade. Posteriormente, realizaram-se na federação da Sociedade de Recreio, à Rua da Palma, onde reuniu a primeira Assembleia Geral, para aprovar os seus Estatutos. A Secretaria ficou instalada na casa de João André Boturão e, depois, na de Artur de Oliveira Faneco.
Num dos passeios fluviais a Vila Franca de Xira
A primeira sede situou-se no 3.º andar do prédio n.º 54 da Avenida da Liberdade. Mais tarde, a 15 de Março de 1959, em sessão solene presidida pelo Presidente da Câmara Municipal de Ovar dessa época, foi inaugurada uma nova sede na Calçada dos Santos, nº 37, 1º andar, junto à Igreja de Santos-o-Velho e aos jardins da embaixada de França, no coração da Madragoa, onde residiram e ainda residem tantos conterrâneos nossos, muitos deles lá registados pelos baptismo ou matrimónio naquele vetusto templo, em diversas gerações.
Em Dezembro de 1953 a Casa tinha 526 sócios. Em 18 de Junho de 1955 cantou-se pela 1.ª vez o hino da colectividade, com música do Dr. Elísio de Matos e letra do Dr. António Rasgado Rodrigues: ‘Nos quatro cantos do mundo, / Gente de Ovar se perdeu; / e o seu amor vagabundo, / Jamais a Pátria esqueceu’. Foi ensaiado pelo Dr. Elísio de Matos, na sua própria casa, a um grupo coral de homens e senhoras membros da Agremiação, grupo esse que viria a actuar na sede própria, na Avenida da Liberdade, então sob regência do Sr. Covas.
Exercerem a presidência da direcção da “Casa do Concelho de Ovar em Lisboa”:
1 – Dr. Albino Borges de Pinho (1953-1957)
2 – Mário André Boturão (1959-1962)
3 – José Augusto da Cunha Lima (1963-1966)
4 – Salviano Zagalo de Lima (1967-1970)
5 – José Augusto da Cunha Lima (1971-1972, pela 2.ª vez)
Nos primeiros anos após a sua fundação, tendo como presidente o Dr. Albino Borges de Pinho, a Casa atingiu o período mais brilhante da sua existência, organizando grandes eventos, entre os quais as visitas a Ovar da Imprensa Diária (em 27 e 28 de Junho de 1953), do Núncio Apostólico D. Fernando Cento (6 de Junho de 1954), dos conferencistas Dr. António Luís Gomes (20 de Março de 1954), do escritor do jornal “O Século” Adelino Mendes (12 de Maio 1956), o Encontro (Setembro de 1953), e o Comboio da Saudade…
Visita do Cardeal Cento a Ovar (Chegada à Igreja Matriz)
Pela Páscoa, a Direcção comprava à Sr.ª Teresa da Olaria, fabricante de roscas doces, grande quantidade dessa especialidade vareira para ser distribuída pelos vareirinhos mais necessitados da capital, e nas festas natalícias fornecia géneros alimentícios aos ovarenses lisboetas mais carenciados. Anualmente, no Verão, organizava um passeio fluvial pelo rio Tejo, até Vila Franca de Xira, para sócios e seus familiares, juntando dessa maneira muita gente de Ovar, que dançava e cantava as cantigas da sua terra, numa alegre confraternização que durava enquanto o sol não se escondia.
Na Páscoa, distribuindo as roscas da Sr.ª Teresa da Olaria
A sede, na Avenida da Liberdade, foi algumas vezes visitada pela nossa conterrânea Maria Albertina, grande nome do fado e do teatro, que gostava de conversar com as pessoas mais idosas, recordando, com elas, os tempos antigos da sua infância…
Grupo Coral da Casa da Comarca de Ovar em visita ao Estádio Nacional
Quando o Orfeão de Ovar se deslocou a Lisboa para apresentar, no Parque Mayer, em 16, 17 e 18 de Junho de 1956, a Revista “Aqui Ovar!”, a Casa do Concelho alugou um coche puxado por cavalos, que percorreu as ruas mais importantes da capital com uma tripulação de quatro jovens vestidas à varina, fazendo reclamo ao espectáculo. Ao apreciarem as nossas beldades vareiras, as pessoas de Lisboa dirigiam-lhes piropos, como este: – Se a Revista for tão bonita como as varinas do coche, vale a pena ir vê-la ao Teatro Variedades!…
Em 1955, por iniciativa de Elias Rodrigues Abade, funcionou nas instalações do Centro Vidreiro (antiga fábrica da Varina), ao sul da Praia do Furadouro, uma Colónia Balnear Infantil da Casa do Concelho de Ovar em Lisboa. Mais tarde, em 21 de Junho de 1958, nas comemorações do 6.º aniversário da colectividade, o Dr. João de Araújo Correia proferiu na sede da Casa do Concelho, na Avenida da Liberdade, uma brilhante conferência intitulada “Há Sal na Régua”, que encantou a todos presentes, e cujo texto está totalmente transcrito no “Boletim da Casa do Concelho de Ovar” de Julho de 1958, sendo publicado em separata, merecendo que se faça uma nova edição, para ser mais divulgado na nossa terra!…
A 27 de Janeiro de 1973, a Assembleia Geral da “Casa do Concelho de Ovar em Lisboa”, na sequência duma crise de dirigentes e do desinteresse da maior parte dos sócios, decidiu dissolver aquela Associação, que durou pouco mais de 20 anos.
Foram presidentes da Assembleia Geral da Casa do Concelho de Ovar em Lisboa:
1 – Major Manuel Gomes Duarte Pereira Coentro (1953-1954)
2 – Dr. Luís Valente da Silva (1955-1956), que faleceu Juiz Desembargador.
3 – António Coentro de Pinho (1957-1973)
A Casa acabou, como dizia o Sr. António Coentro de Pinho no “Notícias de Ovar” de 18/02/1988, “por terem falecido ou desistido muitas das suas dedicações, por falta de saúde de uns e cansaço de outros, e o desinteresse acentuou-se e a Casa do Concelho extinguiu-se, quase sem se saber como e porquê!…”
Eu diria que o principal porquê da extinção da Casa foi, precisamente, o falecimento das dedicações vareiras, daqueles que emigraram para Lisboa na primeira metade do século XX, porque actualmente já quase só existem na capital vareiros de 2.ª, 3.ª e 4.ª geração, os quais, embora tenham raízes ovarenses, já não manifestam por Ovar aquele acrisolado amor que os seus progenitores profundamente sentiram…
Fontes de informação: “Monografia de Ovar” e depoimentos de antigos sócios da colectividade.
Artigo publicado no jornal JOÃO SEMANA (15 de Dezembro de 2006)