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D. Maria Pia, uma Rainha vestida de Varina no Carnaval

A Rainha D. Maria Pia de Sabóia, a quem se refere o texto que apresentamos, mulher de Dom Luís I, parou algumas vezes na Estação de Ovar, com seu marido e seus filhos, onde foram objecto de manifestações populares, particularmente em 25/09/1887.

Casada em 1862, com 16 anos, dizem os seus cronistas que, pouco depois, já dava sinais de sofrimento.

O curioso texto que apresentamos, publicado na Revista “Arquivo Nacional”, n.º 59, de 24/02/1933, é  além de tudo, uma interessante achega para as memórias carnavalescas de Ovar.

Era preciso distrair a rainha, saudosa da folia italiana em que se invocavam pompas e saraus da Renascença. Em Sintra aborrecia-se, apesar das prestidigitações e das sessões de magia dum bom artista francês, mas o paço arrepiava-a, por aquele Fevereiro de 1865, em que andava grávida de meses, pois logo em Junho nasceria o Príncipe Dom Carlos.

Pensara-se, então, visto se avizinhar o Entrudo, em dar um grande baile de máscaras na qual Dona Maria Pia florescesse toda a sua beleza, se divertisse, se imaginasse na corte opulenta de seu pai.

Escolheu-se a quarta-feira magra, a 15, para a festa, em torno da qual se abordavam fantasias. As damas encomendaram fatos riquíssimos, umas; outras, trajos originais; algumas procuravam na simplicidade o que os seus espíritos requeriam.

A Aline, a célebre modista da corte, trabalhara largamente com o seu esquadrão de costureiras francesas e a rainha não achara bastante rico e magnífico vestido de dama do século XVIII, com o qual se apresentaria no baile. Pouco a pouco, diante da arte e do gosto, do esplendor das pedrarias, afizera-se a usá-lo, mas de súbito, a sua imaginação sacudira-se num desejo novo.

  1. Maria Inácia, filha dos Vila Real, mandara fazer um fato de varina; um molho de saias garridas; o corpete, o chapeuzinho, a que daria desenvoltura e graça e o cunho português de uma vendedeira alegre, martelando as suas chinelinhas de verniz.

Logo Dona Maria Pia apeteceu disfarce igual, porque no seu espírito tão feminil se despertara a curiosidade de saber o que diriam os fidalgos da sua corte a uma varina buliçosa, na qual não reconhecessem a sua Rainha.

Atravessaria a sala nas suas vestes, julgando que não a conheceriam, e iria apreciar o espírito dos cortesãos.

Passaria junto deles, de máscara no rosto, meter-se-ia no grupo onde as marquesas empoadas, as grandes damas de outros séculos, as caçadoras gentis, os próprios dominós de seda ocultavam as belezas e ouviria ciciar algumas frases.

Sob as luzes deslumbrantes contemplaria o rei, vestido de guerreiro antigo, de elmo subido, e fixá-lo-ia uns instantes. Seria um Portugal velho, que fizera a conquista, diante da gente trabalhadora, da orla da água, que realizaria o trabalho.

Ela, porém, não pensava mais nessas fórmulas mas apenas na resolução que tomara, na satisfação do seu capricho, na vontade de querer saber como as mulheres, embora da melhor sociedade, se divertiam nos bailes de máscaras, o que sempre seria muito diferente do que sentiam as Rainhas.

Essa ideia começava a diverti-la muito; mais do que a maravilha do seu fato de grande dama, com o qual entrara no salão.

El-Rei escolhera as galas dum cavaleiro do século XVIII e o Infante Dom Augusto, facilmente reconhecível por sua desengraçada estatura de pernalta, era um mosqueteiro. A duquesa de Palmela, casada havia dois anos, por um lindíssimo Abril, vestira-se nas sumptuosidades de Isabel de Inglaterra e guardava o ar imponente, no meio da corte, no qual as formosas damas se disputavam as graças.

Corria no maior esplendor a festa realenga; encheu-se de convivas o salão de mármore, a orquestra da real câmara tocava os belos trechos de música que fazia enlaçar os pares mascarados, a aguardarem as ordens régias para mostrarem seus rostos.

A rainha confiava, cada vez mais, no seu disfarce; apareceria com as tamanquinhas, com as suas vestes de vendedeira, misturar-se-ia no baile, confundi-la-iam com a outra dama, satisfazendo a sua curiosidade. Lentamente o “mágico” Luís da Cunha lia as sinas na palma da mão, não adivinhando a do esplêndido mosqueteiro, que era o conde de Penamacor.

Enfim a varina surgiu da banda do salão onde repuxava a água vinda para a bacia de um lagozinho encantador.

Ia finalmente saber da galanteria dos fidalgos da sua corte para com as senhoras que não eram rainhas, escutar-lhes os dizeres elogiosos, as frases, os amavios, numa funda curiosidade de mulher e de princesa, ignorante da vida comum.

Porém, só respeitosas frases ouviu como as outras damas; nem uma só gentileza se permitiram aqueles junto dos quais passava, já porque nos paços a etiqueta se guarda, através de tudo, já porque, decerto, alguém espalhara, muito rapidamente, a ideia da soberana e a sua caprichosa vontade.

Dona Maria Pia quisera sentir o Carnaval nas suas salas, não compreendendo a atmosfera palaciana na qual não se exalta jamais a alegria até ao máximo e se vive em cuidados eternos dentro dos protocolos”.

 

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