Cidade do Futuro = Cidade Multipolar – Por Carlos Borrego
1.
As cidades são atualmente lar de 54% da população mundial e de 75% da população Europeia. Projeções da Organização das Nações Unidas (ONU) indicam que estes números chegarão, respetivamente, a 65% e
90% em 2050.
De facto, a cada semana que passa a população urbana aumenta cerca de um milhão e
meio de habitantes, e mais de metade desses ‘recém-chegados’ vivem em bairros com
moradias precárias e pobreza extrema, onde a falta de infraestruturas deixa as
comunidades ainda mais vulneráveis ao aumento dos desastres naturais.
Como garantir a qualidade de vida dos seus moradores e o desenvolvimento sustentável desses
espaços? A solução passa pela Cidade Multipolar como base do sistema de centralidades urbanas,
desenvolvidas de forma descontínua e heterogénea. Esta Cidade do Futuro deve ter limitações de
espaço, ou seja, a área urbana é limitada e o perímetro da cidade não pode ultrapassar um valor
predefinido. O crescimento da cidade faz-se em polos sucessivos, devidamente ligados ao polo
central, tendo em conta as especificidades do espaço e das funcionalidades.
2.
A Ria de Aveiro é um território central no contexto da Cidade Multipolar.
A exigência de estratégias eficientes para o desenvolvimento futuro deste território, assim como das
grandes extensões periféricas das cidades atuais, reforça o interesse desta reflexão. A pertinência da
presente abordagem justifica-se ainda pela necessidade de valorizar a Comunidade Intermunicipal
da Região de Aveiro (CIRA), tornando-a na Cidade Multipolar com visão estratégica da Região
Centro, polarizadora de futuras candidaturas a fundos estruturais. Onde Ovar, e a Sub-região que
integra com Santa Maria da Feira, S. João da Madeira e Oliveira de Azeméis, têm um papel
estratégico. Neste contexto é importante ressaltar a escala local da cidade para corrigir a descontinuidade viária,
a desqualificação urbana, o problema ambiental local (o parque, a rua, o bairro, a arborização…) e a
falta de identidade. A esta estratégia da Cidade do Futuro liga-se a qualidade do ar e o clima nas
zonas urbanas, os quais estão intimamente relacionados com o ordenamento urbano.
Por outro lado, a poluição atmosférica é hoje reconhecida como um grande risco para a saúde.
De acordo com as últimas estimativas da Organização Mundial de Saúde (OMS 2018), foram
atribuídas à poluição atmosférica 6,5 milhões de mortes prematuras em todo o mundo (e 5900 em
Portugal). Mas a poluição atmosférica não é apenas um risco para a saúde, é também um obstáculo
ao desenvolvimento. Ao causar doenças e morte prematura, a poluição atmosférica reduz a
qualidade de vida. Ao causar a perda de trabalho produtivo, também reduz o rendimento nessas
regiões.
Existe, portanto, uma necessidade urgente de preparar as cidades para melhorar a qualidade do ar e
se adaptarem às alterações climáticas, incorporando este conhecimento no planeamento urbano e
na Cidade do Futuro. No entanto, enquanto a maioria das ações estratégicas e dos planos adotados
pelos decisores políticos visam reduzir diretamente as emissões de poluentes (zonas de emissão
reduzida ou LEZ – low emission zone; regulamentos; normas Euro; etc.), os planeadores urbanos
geralmente não contemplam a qualidade do ar no desenho das cidades.
É determinante neste processo o envolvimento do “cidadão” nos modelos e nos cenários usados para estimar e prever as concentrações de poluentes atmosféricos e a estrutura urbana.
A modelação das fontes de emissão, e não da atividade humana que leva a essas fontes,
origina um enviesamento da estratégia política, porque se concentra na mitigação de
emissões usando tecnologias mais sofisticadas, em vez de analisar os comportamentos
individuais e sociais, com a consequente dependência da inovação tecnológica e não da
inovação social.
Devido às ligações entre as condições meteorológicas e a qualidade do ar, e embora a poluição
atmosférica e as alterações climáticas se apresentem como problemas distintos, são “as duas faces
da mesma moeda”. Apesar dos estudos sobre qualidade do ar e alterações climáticas já realizados, a
maioria focou-se ao nível planetário ou regional, não atingindo maior detalhe, ou seja, não abordam
a escala local (urbana, municipal, do quarteirão, da rua).
As abordagens tradicionais de rateio de fontes já haviam considerado a “tecnologia” como
responsável por criar as emissões. Por outras palavras, a poluição atmosférica, a gestão das emissões
de carbono (alterações climáticas) e o planeamento urbano não devem continuar a ser tratados
como políticas separadas e essencialmente técnicas, mas devem ser considerados como parte das
preocupações mais amplas dos habitantes da cidade sobre a sua qualidade de vida e o seu futuro.
Por isso, o impacto das alterações climáticas na qualidade do ar à escala local ainda é um
desafio de investigação, que está a ser explorado para compreender e prever com
precisão as mudanças nos níveis de poluentes, quer nas condições climáticas futuras, quer
nas diferentes escalas espaciais.
Nesse sentido, é fundamental que as cidades sejam capazes de absorver os impactos relacionados
com as alterações climáticas e a má qualidade do ar. A inclusão de infraestruturas verdes, como
telhados verdes, áreas verdes urbanas, paredes verdes, têm sido apontadas como estratégias de
baixo custo e facilmente aplicáveis para lidar com eventos climáticos extremos, bem como para
melhorar a qualidade do ar, mitigar a poluição atmosférica e suportar a transição climática.
3.
O conceito de resiliência urbana tem sido amplamente utilizado na investigação mais
recente para denotar a necessidade de as cidades aumentarem a capacidade de tolerar ou
absorver os impactos relacionados com as alterações climáticas (p. ex., ondas de calor).
Neste estudo, foram selecionadas duas medidas de resiliência: áreas verdes e telhados
verdes, aplicadas a uma cidade de estudo.
Esta análise realizou-se usando modelação matemática de alta resolução espacial e cenários de
emissões à escala nacional e urbana, à escala do bairro e da rua.
Os resultados destacam a ideia de que as alterações climáticas são um desafio sistémico
para as cidades.
No entanto, as cidades também têm uma capacidade única para enfrentar o repto das
alterações climáticas globais, aplicando medidas locais para lidar com as vulnerabilidades
próprias e necessidades específicas.
Assim, examinou-se o arrefecimento da cidade de estudo com a introdução de infraestruturas verdes
e respetivo contributo para a melhoria da qualidade do ar. O exemplo foi escolhido por ser uma das
cidades europeias com maior índice de expansão, por ter problemas de qualidade do ar e ter sido
afetada pela onda de calor de 30 julho a 14 agosto de 2003 (em Portugal houve 2099 mortes e 793
na cidade de estudo), sendo esperado no futuro um aquecimento de cerca de 1,90C em 2050.
O principal objetivo foi investigar e quantificar a eficácia de diferentes soluções baseadas na
natureza na redução de temperatura e na melhoria da qualidade do ar em futuras ondas de calor
(clima futuro de médio prazo), na área urbana de estudo. Analisaram-se a temperatura (T) e quatro
poluentes atmosféricos críticos em áreas urbanas: material particulado com diâmetro aerodinâmico
menor ou igual a 10 μm (PM10), monóxido de carbono (CO), dióxido de azoto (NO2) e ozono (O3).
Espera-se que a ocorrência de ondas de calor nesta área, que nos dias de hoje não é uma
grande preocupação, possa duplicar no futuro a médio prazo (cerca de 2,2 vezes mais do
que no passado recente) e aumentar num fator de 3,6 no futuro de longo prazo,
principalmente para os períodos de verão.
Os efeitos destas alterações das condições climáticas nas pessoas serão agravados pelo mau
isolamento dos edifícios, levando a um aumento da probabilidade de consequências graves para a
saúde humana quando ocorrem eventos extremos, como ondas de calor.
Os resultados permitem aprender com a natureza e a operacionalizar as infraestruturas verdes para que a Cidade do Futuro aconteça. É necessário, acima de tudo, capacitação, para a inovação e monitorização, dos decisores, técnicos e cidadãos. A que se junta trabalho em equipa com peritos de diversas áreas de conhecimento.
Só assim serão considerados os vários aspetos da sustentabilidade dos recursos, da transição climática e do planeamento urbano na Cidade do Futuro.
Texto da responsabilidade de (*) Carlos Borrego, professor universitário, ex-ministro do Ambiente e membro da PLATAFORMAcidades; grupo de reflexão cívica
NOTA (*) Veja outros textos desta série no Blogue Plataforma Cidades; Contacte [email protected]