Machado que corte a raiz ao sofrimento – Henrique Gomes
Não é versão que mais estimo no ciclismo- a do sofrimento.
Tenho a perspetiva de que quanto mais o ciclismo se afastar de alguma indústria farmacêutica e de uma versão de sofrimento, de dor, melhor será para a modalidade.
Penso que a modalidade não ganha adeptos mostrando os seus praticantes cobertos de ligaduras e em pranto. São dispensáveis os adeptos que chegam à modalidade por causa do sofrimento extremo dos ciclistas.
Nenhum verdadeiro adepto da modalidade assiste a uma competição com o objetivo de ver os ciclistas cobertos de ligaduras e pensos!
Se possível, o ciclismo e os seus praticantes devem transmitir uma imagem de prazer, de satisfação por aquilo que fazem. Essa é a forma de cativar quem assiste.
Todos sabemos que esta modalidade tem uma carga de sofrimento associado mas, digamos assim, de um sofrimento que conduz à superação física, à busca de novos limites ou fronteiras. Um sofrimento que possamos admirar e estimar porque ele é de certa forma positivo- faz-nos ultrapassar limites que pensávamos impossíveis de alcançar.
Esta é a versão de sofrimento que deve sempre acompanhar o ciclismo, os ciclistas.
Infelizmente, por vezes, a esta versão junta-se outro tipo de sofrimento resultante de quedas- foi o caso de ontem na etapa do Tour. Tivemos a de Contador mas, sobretudo, a de Tiago Machado.
Aquando do direto televisivo, um ex-ciclista que agora é comentador de ciclismo, incrédulo com a informação que dava Tiago Machado como desistente disse o seguinte:” O Tiago não desiste, só se partiu alguma coisa!”.
Este é o nível de comportamento que um ciclista como Tiago Machado nos habituou. Só mesmo algo, não de grave, mas de muito grave faria desistir Tiago Machado do Tour de France!
Só o habitual nível de sofrimento de um ciclista, o que faz correr rumo à superação, o que o distingue de outros desportistas, conseguiu apartar o sofrimento, menor, provocado por um traiçoeiro alcatrão.
Na carreira de Tiago Machado não faltam momentos onde o ciclista se superou e ultrapassou os próprios limites- e como lhe foi útil essa experiência no dia de ontem!
Fotografia: Henrique Gomes- Volta a Portugal de 2009, chegada à Torre, Serra da Estrela.