Ovar é pequeno
Grande nem sempre é bom. O sinónimo de grandeza já foi bom, hoje não é. Não tem que ser.
O bairrismo é como, diga-se, uma bênção. A economia decai ao ritmo que as folhas de excel galopam, a sobrepor-se, na importância de uma velha ficha, arcaica, com nome e foto, com agregado e condicionantes e vantagens. As pessoas perdem, a olhos vistos, espaço para os números. Dissipa-se a certeza do bem individual, por um bem geral, comum, como se eu gostasse do mesmo que o vizinho que não conheço, ou tivesse que pagar a factura do jantar principesco do novo inquilino do fundo da rua. Preparamo-nos para abandonar, deixar numa beira de estrada, o mundo uno e partirmos para um mundo comum, em que o vermelho necessita ser a cor de todos, ou o amarelo, ou o verde, ou o azul.
A individualidade a perder-se na abundância de mensagens de sacrifício e unificação, por uma causa que nem nós compreendemos bem, nem quem nos solicita isso compreende. A palavra vem cifrada, presa em equações dilacerantes dos nossos bolsos, das nossas vidas, dos nossos sorrisos. É triste. A frio, não temo dizer: é triste.
O país, ainda que pequeno e bairrista, é governado por engenheiros da sabedoria, por agiotas de gravata vindos de África e da Europa Central, da do Norte, até de americanos enfiados atrás de computadores, a definirem-nos como lixo, sem sair de Wall Street e caminhar pela América profunda, como se a realidade deles, aqueles escritórios envidraçados, banhados no ouro das nossas desgraças, pudesse ser exemplo de que mundo for. Andamos assim, manietados, cabisbaixo, pensantes e tesos, sem um tostão, mas depois há luz. Há bairrismo. Há o Salvador que já todos vimos uma vez ou duas, há o Bruno igual, há os Henriques da restauração, o Chico e o David, os Gama e os Sebe, há tudo pessoas que nos unem no bairro. Chamar a Ovar bairro é feio, porque somos uma cidade. Mas, notem, somos uma cidade diferente. Somos, sim, uma cidade de bairro.
Estamos descontentes e reclamamos, mas sabemos quem é o vizinho da rua que janta no luxo e o que sofre a pagar isso, somos felizes e sabemos o nome dos vizinhos culpados disso, somos sozinhos no mundo, mas todos sabem o nosso nome e não se apoquentam de num café perguntar: estás bem, Ricardo?
Se calhar não estava, mas se calhar com aquela pergunta fiquei. Não precisava de ninguém que me resolvesse os problemas, somente precisava de alguém que percebesse que eu tinha problemas. Somos assim, carentes, necessitados de afecto que não precisam de ser mimos ou palavras bonitas. A nossa carência é de reconhecimento. E há maior reconhecimento que saberem o nosso nome e perceberem quando estamos bem ou mal?
Ovar é pequeno, sim. Mas isso é defeito onde?
Ricardo Alves Lopes (Ral)
http://tempestadideias.wordpress.com
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ILUSTRAÇÃO de autoria do PintoLuis