Hotelaria: Dois passos à frente, um atrás – Por Cristina Siza Vieira
Hesitei no título desta crónica, entre este que ficou ou o seu inverso: “Um passo à frente, dois atrás”. A ordem dos fatores não é obviamente arbitrária: fosse este o escolhido e basicamente tal significa que nada se evoluiu. Pelo contrário, regrediu-se. Resisti ao pessimismo e optei por manter a esperança, ainda assim.
Por Cristina Siza Vieira *
Vem isto a propósito do que a luta contra a pandemia tem significado, também para o Turismo. Em maio dei nota da expectativa que todos os cidadãos europeus e o mundo das viagens e Turismo depositava na aprovação ao nível da UE do certificado digital covid-19 e dos passos que já se tinham dado no sentido de consagrar este documento como o passaporte pan-europeu que nos devolveria a liberdade de circulação. E regozijei-me com as declarações da Comissão e do Parlamento. Tal documento, que serviria de prova de vacinação ou de teste negativo ou de recuperação, vinha suprimir as restrições à livre circulação instituídas num Estado Membro por motivos de saúde pública, como requisitos de teste ou quarentena.
Uma mudança de paradigma! Da avaliação do país para a avaliação do viajante: cada um, viesse de onde viesse na UE, se munido do passaporte, circularia em identidade de condições com os demais cidadãos europeus. No entanto, dado que o “diabo está nos detalhes”, ainda haveria de ver-se o real alcance deste documento. Sem esquecer que o Parlamento ainda deixava em aberto que, por motivos de saúde pública, designadamente as variantes, os EM pudessem impor restrições à entrada nos respetivos territórios.
Eis que em 9 de junho os deputados deram luz verde ao Certificado e o regulamento foi publicado a 15 de junho. Tudo a tempo de entrarmos em 1 de julho com o sistema bem calibrado. O turismo suspirou de alívio. Eu guardei o meu ceticismo.
Pois, mas o diabo está… nas variantes. E na confusão criada sobre a eficácia das vacinas contra elas; no tipo de testes e prazos; nas máscaras ou não; no estatuto dos recuperados e eventual reinfeção; nos critérios de avaliação (número de contágios a crescer continua a ser o critério, apesar do decréscimo de números de internados em UCI e mortalidade) … e cada país europeu desatou a pensar e agir por si. Os primeiros-ministros ora se confinam apesar de vacinados e testados negativamente; ora pedem desculpa por terem aberto equipamentos e instalações que depois voltam a encerrar; ora impõem restrições às viagens para países onde a variante Delta é dominante; ora levantam essas restrições.
Neste momento o caos está instalado.
Porém, há meia dezena de coisas que me parecem estar adquiridas. Primeira, o Certificado é aceite, mas não a 100%. Quero dizer: cada EM acaba por consagrar medidas adicionais em razão da avaliação dos seus especialistas de saúde pública (e cada um tem os seus). Segunda, o Certificado ou testes passam a ser condição de acesso a todo o tipo de equipamentos, para já de lazer, pelo que os não vacinados terão sempre no bolso (ou no nariz) um teste para fazer. Assim é em Portugal; França; Alemanha; Áustria; Irlanda; Dinamarca; Grécia; Chipre; Hungria; Letónia; Lituânia; Luxemburgo; Eslovénia; algumas regiões de Espanha. Terceira, com certificado ou não, afinal há equipamentos que encerram se o número de contágios aumenta. Quarta, a vacina caminha a passos largos para a obrigatoriedade. Afinal ela é, por ora, a única arma de saúde pública que virá a permitir a liberdade de circulação. O Certificado não passa de um mero título que a comprova.
E por último, está também adquirida uma dúvida (metafísica): o que nos querem dizer os milhares de especialistas em saúde com a frase já quase batida “temos de aprender a viver com esta nova realidade”? Que devemos comportar-nos como se a covid-19 fosse uma doença já vulgar e que a vacina é a proteção necessária e suficiente para retomar as atividades que até 2020 eram banais? Ou essa frase significa, ao contrário, que esta nova realidade leva a que o confina/desconfina/abre/fecha/testa/não testa/põe máscara/tira máscara é a forma de viver doravante? Até uma próxima pandemia?!
Dois passos à frente, um atrás.
Cristina Siza Vieira
* Diretora executiva da AHP – Associação da Hotelaria de Portugal. Artigo publicado no site https://www.hoteis-portugal.pt.