Diana Niepce dança para reconstruir o seu eu
Espectáculo "Anda, Diana" estreia hoje em Lisboa
Diana Bastos Niepce nasceu em Ovar em 1985 e cresceu em Oliveira de Azeméis e no Porto. O apelido artístico deve-o ao nome que em tempos deu a um gato.
Em “Anda, Diana”, a bailarina e acrobata retrata a reconstrução do seu eu, depois de uma queda (que a deixou com uma lesão medular), num diálogo entre corpo e mente, entre a lógica e o caos, até construir o corpo que dança. Nesta peça, propõe-se questionar o que é a norma, desafiando preconceitos e ideias que a sociedade tem relativamente à estética dos corpos. Aqui, a deficiência, apesar de presente, não se posiciona no lugar de vítima do sistema. Antes, este corpo fora da norma posiciona-se como revolucionário.
“Interessa-me desmistificar o que é isso de um corpo frágil ou forte”, diz a artista, tetraplégica desde 2014. Nesse dia 20 de março a vida mudou por completo. “Estava no ensaio de um espectáculo da Companhia Armazém 13, que misturava dança contemporânea com novo circo, quando dei uma cambalhota e tentei ficar presa com os pés à corda.” O aparelho estava bastante baixo, a dois metros de altura, e quando os pés lhe escaparam caiu de pescoço no chão. “Se estivesse mais alta podia ter dado a volta, aterrar de outra forma. Mas ouvi um crac e percebi imediatamente o que tinha acontecido”.
Sim, Diana continuou sempre a dançar. Mas teve que aprender novas formas de dança. Com cadeiras de rodas, andarilhos, canadianas. “De repente o meu corpo desligou, mas hoje já consigo comer sozinha, ir da cadeira para o sofá, dar um passo.” Cada pequeno momento é uma vitória. E a dança foi essencial no processo de recuperação. O reaprender da dança, a utilização da sua condição como um instrumento, como meio de comunicação e de arte, torna a sua arte “algo política”.
Diana é uma defensora da diferença, ou até, da igualdade na diferença. “Ninguém é perfeito. E a sociedade está pouco preparada para lidar com as incapacidades de mobilidade. Ainda somos muito excluídos da sociedade”.
E a verdade é que, segundo Diana, há quem precisa de aprender a lidar com as limitações motoras dos outros. “Há uma certa intrusão que as pessoas têm de aprender a controlar. Chegam a forçar-me a receber ajuda, fazem-me perguntas sem me conhecerem. É uma intrusão na minha vida. Parece que as pessoas precisam de ouvir o outro como um igual” explica.
Receber, em troca, o papel de herói, de superação e inspiração dos outros também consegue ser “um discurso gasto,” conta. “Não somos diferentes dos outros porque continuamos a viver o resto da nossa vida. Nós adaptamo-nos, independentemente daquilo que a vida nos atira.”
“Sim, podemos ser uma fonte de inspiração, mas seria bom que essa inspiração desse frutos práticos,” como a criação de empregos, e de apoios a pessoas que enfrentam a mesma situação de Diana.
“Quero falar do que escondemos. Não existi quase toda a minha vida por culpa da crença de ter de existir num corpo que não era o meu. Vou parar de pedir desculpa ao policiamento da norma, que destrói tudo que difere dela própria. Não sou incompleta. Quero parar esta violação da minha intimidade e ninguém me dirá como ser. Deixei de procurar o meu corpo no corpo do outro e encontrei-me com o outro. No trato secreto que faz do meu corpo um contador de histórias, encontrei o sentido do seu estado íntimo e real”.
Para ver a partir desta terça-feira no Teatro do Bairro Alto, em Lisboa.