Escultor retribui ajuda com criações na areia do Furadouro
Há cerca de cinco anos, Jacob deixou a vida que tinha para trás para percorrer a costa portuguesa a criar grandes esculturas em areia, das quais não guarda mais do que memórias.
“Tinha fotografias no telemóvel, mas tive de o vender, em Coimbra, para arranjar algum dinheiro”, contou-nos ele. A efemeridade das matérias-primas com que trabalha tornou-se uma lição para a vida. “Nunca sei bem onde vou estar amanhã, nem o que o que vou construir”.
Chegou à praia vareira na semana passada e, sem conhecer ninguém, ficou ao relento nas primeiras noites, até que a solidariedade das gentes locais o instalou no Alojamento Furabeach, onde tem estado gratuitamente.
Chama-se Jacob Gonzalez, é galego da cidade de Lugo e tem 27 anos. Tem chamado a atenção pelas suas construções na areia e, no dia em que falamos com ele, construiu um grande peixe na réstia de areal que ainda se aguenta na zona central da praia. “Prefiro construir grandes castelos, construções na vertical, mas esta areia não permite, pois não é suficientemente fina”, explica, “é muito diferente das outras praias da região”. Explicamos-lhe que isso acontece por se tratar de areia retirada da zona de rebentação para compor a área balnear.
“Aprendi esta arte nas ilhas Canárias, passei por Cádiz, e tenho andado por várias praias até chegar a Portugal”. Fez muitas coisas, nas Canárias trabalhou num hotel, foi pintor, trabalhou nas obras. “Conheci um amigo que trabalhava com construções na areia e vi que também dava um jeito e comecei”. “Depois conheci mais gente de várias nacionalidades e fui aprendendo a ganhando gosto, porque as pessoas tratam-te bem quando vêem as coisas que fazes com a areia”. O pai também usava as mãos para talhar a pedra, tinha muito jeito “e eu se calhar fui buscar um bocado dessa vocação. Talvez”.
A última vez que trabalhou em areia foi na praia da Nazaré, mas a pandemia e o fecho das zonas ribeirinhas obrigaram-no a rumar a outras paragens. “Normalmente, consigo ganhar algum dinheiro com as minhas construções, porque quem passa admira-se e deixa sempre algum, mas ultimamente com a pandemia ficou dificil”. “Aqui também aparece a polícia mas não fazem mal. Eu entendo”, declara.
Tinha acabado de construir um grande peixe de areia. “Já fiz de tudo um pouco, até desenhos animados, as crianças gostam e estou a experimentar coisas novas”. E promete: “Para a Semana Santa, se ainda aqui estiver, vou fazer motivos religiosos, um cristo crucificado muito bonito”.
Um dia de cada vez
O estilo de vida que adoptou não permite grandes previsões. “Vivo um dia de cada vez, amanhã não sei”. Quando faz outro tipo de escultura, em altura, “tenho que ficar a tomar conta, a protegê-la, porque demoro dias inteiros a concluir, mas estas nem sempre é preciso. Estas não dão para fazer castelos”. Antes, Jacob via os bonecos no telemóvel, mas agora não tenho e não me lembro de pormenores.
Garante que tudo o que faz é por gosto, “não quero que as pessoas se sintam obrigadas a ajudar. É voluntário, só se acharem bonito e gostarem de ajudar, se tiverem vontade. Mais nada. Para mim, é melhor assim”. “Se gostarem de mim e do meu trabalho e puderem ajudar, está OK”. Não esconde que antes o fazia por necessidade, agora, “quando me levanto, se me der vontade, faço, mas não tem sido fácil este processo, porque como estou aqui sozinho, aborreço-me e é esse o problema”. Mas, sim, confirma que precisa de algum dinheiro para viver, “mas não ando a pedir, é difícil de explicar, porque quanto mais procuro menos tenho”.
Furadouro solidário
Jacob Gonzalez encontrou estadia gratuita mesmo na frente de mar da praia do Furadouro e agradece porque sente-se bem. Foi Sérgio Serralheiro quem lhe disponibilizou um apartamento nos Alojamentos FuraBeach. “Vi que estava ao frio e à chuva e como não tenho ninguém hospedado nesta altura, e ando em obras no primeiro andar, disponibilizei-lhe o segundo andar”. Sérgio já lhe levou comida e diz que pensou que seria contactado pelos “serviços sociais mas até agora não aconteceu mais nada”.