Há 124 anos… um eclipse solar – Por Vitor Bonifácio
... fotografado pelo vareiro Ricardo Ribeiro, precursor da fotografia em Portugal
Hoje é dia do ‘grande eclipse solar total de 2024’, que está a gerar enorme onda de expectativa entre os entusiastas da astronomia. Embora Portugal não esteja diretamente no caminho da totalidade do eclipse, há apenas um local em território nacional onde o fenómeno poderá ser observado, ainda que apenas parcialmente.
Trata-se da ilha do Corvo, nos Açores, que permitirá que fenómeno seja visto entre as 19h00 e as 20h00 (hora local), de acordo com informações do Observatório Astronómico de Santana.
Mas, há 124 anos, as melhores observações do eclipse solar foram em Ovar.
O ovarense Vítor Bonifácio, professor do Departamento de Física da Universidade de Aveiro (UA), explica aqui o evento que aliou ciência e divulgação e contribuiu para minimizar o pânico que este tipo de fenómenos provocava nas populações incautas.
No dia 8 de maio de 1900 saíram, do observatório de Greenwich, com destino a Southampton, as tendas e a maior parte dos instrumentos. Três dias depois partiram os observadores levando, como bagagem de mão, o delicado espelho de 16 polegadas de diâmetro e duas caixas de placas fotográficas. Os cálculos tinham sido efectuados há anos e a preparação iniciara-se há meses. Definiu-se um programa científico que incluía fotografias detalhadas da corona e do espectro solar. Escolheu-se uma localização geográfica com probabilidade de ocorrência de bom tempo.
Na manhã do dia 17 chegaram a Ovar, entre outros, o diretor do observatório de Greenwich, William Christie, e o seu sucessor no cargo, Frank Dyson, que, anos mais tarde, viria a desempenhar um papel fundamental nas expedições britânicas de 1919 que confirmaram a deflexão da luz prevista por Albert Einstein. A linha de caminho de ferro, uma das revolucionárias comodidades do século XIX, facilitou o transporte dos instrumentos e trouxe muitos curiosos à vila de então. De entre as estimadas 25000 pessoas, a história regista, por exemplo, a presença dos príncipes D. Luís Filipe e D. Manuel que ficaram alojados nos paços do Concelho e de alguns membros da British Astronomical Association, entre os quais se encontrava o advogado, astrónomo amador e divulgador de ciência George Chambers.
O eclipse de 28 de maio de 1900 iniciou-se no oceano Pacífico, passando a sombra da Lua pelo México, Estados Unidos da América, oceano Atlântico, Portugal, Espanha, Argélia, Tunísia, Líbia, terminando no Egito. A sombra entrou no continente europeu na costa portuguesa, passando a linha central por Ovar. O eclipse total foi visto da Gafanha da Boa Hora a Matosinhos. Em Viseu encontravam-se as expedições do Observatório da Universidade de Coimbra, da Escola Politécnica de Lisboa e da Escola Naval. No interior a sombra passou, ainda, pela Guarda e Covilhã.
O dia nasceu soalheiro e com o céu limpo. No entanto, o aparecimento posterior de algumas nuvens altas causou apreensão no acampamento britânico. Conforme previsto a Lua interpôs-se entre a Terra e o Sol e realizaram-se, com sucesso, as observações exaustivamente ensaiadas.
Os eclipses do Sol, que anteriormente provocavam o pânico das incautas populações, passaram a ser objeto de tranquila observação e até serviam de pretexto a agradáveis excursões. A diferença entre estas duas opostas abordagens deve-se à ciência… e à educação.
Vitor Bonifácio,
Investigador do CIDTFF da Universidade de Aveiro
Contacto: https://www.ua.pt/fis/person/10315577;
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Ricardo Ribeiro que fundou em 1892, em Ovar, um dos primeiros estúdios fotográficos em Portugal, é o autor das fotos que nos remetem para esse dia. Desde então, sempre no mesmo local, cinco gerações abraçaram essa arte até aos dias de hoje, com a curiosidade de serem mulheres as representantes das últimas três: Duas Matildes (avó e mãe de Mário) e a sobrinha Dalila que mantém a tradição familiar na fotografia nos dias de hoje.