A primeira mulher a ser coroada no Carnaval de Ovar
Sabia que foi só na década de 60 que foi permitido às mulheres de Ovar serem aclamadas rainhas dos festejos?
Em 1961, registou-se esse marco carnavalesco, quando foi aclamada a primeira mulher Rainha do Carnaval. Foi ela Maria da Glória Sousa, uma bela e formosa vareira que, assim, inaugurou a igualdade de género no carnaval vareiro. O saudoso José Maria Graça, um dos grandes impulsionadores do carnaval organizado, várias vezes nos disse que “não havia motivo para que elas não ascendessem ao trono da folia, pois não há moças mais bonitas do que as vareiras em toda a região centro e norte do país“.
Portanto, não é que não houvesse rainhas ou que o Rei Momo não tivesse uma consorte a seu lado no trono, mas o lugar era sempre ocupado um homem travestido, que chegou a designar-se de Mamona (noutros pontos do país são as Matrafonas). Florêncio Abreu, José Pinho “Ferrugem” e António Lima tinham sido as anteriores Rainhas do Reino da Folia vareira. João Pereira de Mendonça nunca foi rainha apesar de aparecer como tal no livro Carnaval de Ovar 1952-1993 e no estudo de Ana Almeida que hoje consultamos.
À época, os homens recorriam “ao vestuário da esposa ou da mãe, principalmente quando o acesso a máscaras era inexistente ou dispendioso”, recorda a antropóloga Ana Almeida, uma das autoras da antologia “Carnaval: história e identidade”, lançada pela editora de livros académicos Colibri em 2016.
Matrafona significa, literalmente, uma “mulher desleixada” a vestir-se. Mas os dicionários não explicam a raiz ideológica dos ícones do Entrudo deste município. As primeiras figuras eram propositadamente feias, numa demonstração de supremacia perante as mulheres reais que estavam impedidas de participar na brincadeira. “A transgressão reside no homem vestir-se de mulher e não o contrário. Assim, durante o Carnaval, os homens ganham o poder de satirizar e ridicularizar a identidade, práticas e condutas associadas ao género feminino. Em suma, há um reforço do ‘lugar’ e ‘papel’ do homem na comunidade ao definir a imagem da mulher”, explica a especialista.
Porque há muito a dizer sobre o Entrudo – o período que antecede a Quaresma, onde tudo é permitido –, o historiador Carlos Guardado da Silva lançou o desafio do estudo a vários especialistas, entre Dezembro de 2014 e Janeiro de 2015. O livro chegou em Maio do ano seguinte. “Queríamos encontrar as raízes do Carnaval, assim como as práticas que encontramos nestas festas, desde os Saturnalia [as festas dedicadas ao deus romano Saturno, de aparente inversão de papéis] e as festas dos loucos na Idade Média até ao Carnaval em Roma no século XVI”, explica o coordenador da obra.
No caso vareiro, lembra-se como era a folia pré-corsos organizados: À semelhança de outros municípios, o Carnaval de Ovar transferia-se para os bailes nos anos 30, “num dos salões da Casa Peixoto”, lê-se no estudo publicado no mesmo livro. Só quando as salas começaram a rebentar pelas costuras de foliões é que os festejos retomaram à rua. O interregno deu-se com a Segunda Guerra, entre 1939 e 1945, e ganhou novamente impulso em 1952, refere o autor.
Não foi fácil encontrar especialistas que se dedicassem exclusivamente ao estudo da área, quer a nível nacional quer internacional. O perito explica as limitações. “É um tema que se presta mais ao entretenimento, sendo ainda escassos no nosso país os estudos que lhe são dedicados, não ultrapassando a dezena. E de entre estes, os carnavais mais bem estudados são os de Loulé, Torres Vedras e Trás os Montes. Grandes Carnavais, como os de Ovar, Sines e Sesimbra, entre outros, estão por estudar.”
Imagens do Carnaval em Ovar na década de 1960 in Notícias Magazine