O que esperar da nova vacina? – Por Dr. Paulo Paixão
A COVID-19 tem sido em 2020 o “inimigo” número um da humanidade, não só ao nível da saúde como também a nível social e económico. A sociedade teve de se adaptar, e as empresas da área da saúde também. O setor público uniu-se ao privado, e laboratórios privados como a SYNLAB tiveram de se reajustar e abrir, de um dia para o outro, unidades físicas e móveis, em parceria com as Câmaras Municipais e com os Centros de Saúde locais, para realização de testes COVID-19 para ajudar a diagnosticar esta infeção e evitar, ao máximo, a propagação do vírus. Tem sido verdadeiramente um esforço de equipa que nos tem levado a superar desafios dificilmente imaginados antes da pandemia.
E, quase um ano depois, chegou o momento ansiado por muitos, com os telejornais a abrirem com a notícia: “Foi lançada a vacina contra a COVID-19” e, nas redes sociais, o tema a passar a ser rei. Depois de muitos ensaios clínicos, de várias tentativas falhadas, eis que foi aprovada a primeira vacina contra a COVID-19.
O mecanismo envolvido na conceção das vacinas tradicionais passa pela utilização do próprio vírus ou bactéria, numa versão desativada ou atenuada, para que o organismo reaja e responda à infeção. A tecnologia utilizada nesta nova vacina nunca tinha sido testada em humanos, contribuindo para muita discussão à volta deste tema. Nas vacinas fabricadas pelas Pfizer e Moderna, utilizando o mRNA, não é o agente do vírus que é introduzido através da vacina, mas sim parte do seu genoma que produzirá uma determinada parte do micro-organismo (naturalmente, uma parte fundamental para a propagação do vírus) e assim, estimulará a produção de defesas contra essa parte específica do agente infecioso. Ou seja, esta vacina vai imitar o que o vírus faz, com a diferença que não gera uma infeção completa, apenas obriga a célula do hospedeiro humano a produzir uma parte da constituição do vírus, a tal parte fundamental do mesmo.
A polémica existente frisa que esta vacina poderá modificar o ADN humano, entrando no cromossoma e modificando o genoma humano. Tal não acontece, uma vez que o vírus não permanece nas células e não tem capacidade para se integrar no cromossoma. É uma vacina eficaz (>90%) e é das mais seguras que pode haver, e como o provam centenas de milhares de pessoas em que não houve qualquer efeito adverso grave. A juntar a isto, temos ainda outras vantagens, das quais se destacam: a facilidade de produção e, caso o vírus sofra uma mutação que diminua a eficácia da vacina, a facilidade de se corrigir rapidamente e fabricar uma nova vacina. São estes os principais motivos pelos quais estas vacinas estão na linha da frente.
Assim, podemos dizer que a vacina é eficaz e segura. Mas, é importante que fique realçado que a sua administração poderá produzir alguns efeitos passageiros nas primeiras 24 horas, após a sua administração, dos quais se destacam o mal-estar ou a febre baixa. Mas embora incómodos, não são sinais negativos, pelo contrário. Se sentir esse tipo de efeitos, é sinal que o sistema imunitário está a reagir de forma positiva ao vírus. Quanto ao relato recente de algumas reações alérgicas, podemos dizer que não é um fenómeno inesperado, que parece ser raro mas que merece certamente acompanhamento. Aliás, na linha do processo natural de fabricação e consequente administração de qualquer medicamento, vai haver a necessidade de um acompanhamento médico em larga escala dos vacinados, para que se perceba se existem ou não efeitos secundários não conhecidos e não detetados durante o período dos ensaios clínicos.
Estima-se que seja necessário vacinar apenas 70 por cento da população para atingir a imunidade de grupo, mas deve ser referido que quanto maior for a taxa de vacinação, melhor controlo da infeção haverá. Com a vacina do sarampo, para dar outro exemplo, é necessário vacinar 95 por cento da população, uma vez que a taxa de transmissão do vírus é elevadíssima, superior à da COVID-19.
As vantagens destas vacinas estão à vista, mas ainda faltam passos importantes a percorrer: a aprovação da mesma pelas entidades reguladoras europeias e a nível logístico, uma rápida e eficaz distribuição uma vez que a vacina é embalada a -70ºC, com embalagens de gelo seco, tendo um tempo de armazenamento relativamente curto. Mas com uma boa logística, este problema consegue ultrapassar-se!
Paulo Paixão
Professor da Faculdade de Ciências Médicas de Lisboa