Entre o “delivery” e as portas fechadas a hotelaria vareira tenta sobreviver
Ainda mal refeitos do cordão sanitário que fechou o concelho em Março e Abril, os restaurantes e bares do concelho de Ovar vêem-se de novo “castigados” com a proibição circulação na via pública, diariamente entre as 23h e as 05h e aos sábados e domingos entre as 13h e as 05h. Os restaurantes que sobreviveram ao único cerco do território continental estão de novo a reinventar-se e a adaptar-se à nova realidade que os espera ao fim-de-semana. Entre eles, está Jorge Silva, proprietário de um dos restaurantes mais antigos de Ovar, “O Bosque”, que já tinha apostado no “take-away” e agora prepara-se para fazer entregas em casa, o chamado “delivery”. “Já adquiri um sistema para manter a comida quente até chegar a casa das pessoas e vou começar a entregar no centro da cidade e na praia do Furadouro”, adianta.
Para quem quiser almoçar no restaurante, Jorge Silva já decidiu que vai abrir às 11h30 e encerrar às 13 horas, tal como a lei exige. “Nesse mesmo horário, mantenho o serviço de ‘take away’ e depois começo a fazer as entregas ao domicílio”. Resignado, Jorge diz que “não podemos parar. O nosso restaurante pratica uma cozinha tradicional portuguesa cujos pratos têm uma elaboração demorada e por isso estamos a pedir para as pessoas encomendarem de véspera para que possamos servir com qualidade, mas é complicado. É tudo novo”.
O objectivo é minimizar os estragos porque “se não fizermos nada então é o fim, porque os custos da água, luz, segurança social, etc, mantêm-se sempre”. Jorge Silva gostava de pensar que estas medidas se vão circunscrever a estes dois fins-de-semana, “mas não acredito”. Dirige palavras críticas à “incoerência das medidas que penalizam os restaurantes, mas permitem os hipermercados manterem-se em funcionamento até às 22 horas e que também servem refeições para fora. Não faz sentido”.
Azulejo faz “Pausa”
Johnny Carrabau abriu o Bar Azulejo, em Ovar, em dezembro de 2019, e nem nos piores pesadelos lhe passava pela cabeça que uma pandemia destas estava a caminho. “Consegui funcionar durante cerca de três meses e, depois do Carnaval, decidi fechar para descanso do pessoal”. A pandemia de Covid19 e o cerco vieram logo a seguir, interrompendo-lhe os planno. “Não tive outro remédio e continuei encerrado até 19 de Junho”. Abriu de novo portas quando, supostamente, as pessoas de Ovar se mudam para a praia do Furadouro. “Antes, fui obrigado a investir cerca de 8 mil Euros em higiene e segurança e reduzi de uma capacidade de 300 para 70 pessoas, mas tive noites de sexta-feira com duas pessoas apenas aqui dentro”. Tentou reinventar a casa para funcionar enquanto café, com tapas e algum serviço de snack e uma carta de vinhos.
“Apostei em música ao vivo para ajudar artistas locais e chamar clientes, mas a noite deixou de ter gente. Aliás, abri inicialmente à quinta-feira, mas não apareceu ninguém. Foi duro”. Johnny resistiu a fazer contas para não se assustar ainda mais, mas depois de analisar bem, decidis encerrar temporariamente, “porque com estas normas não dá”. “O Azulejo trabalha após as 21h e até podia abrir durante o dia, mas não vejo que haja clientela para isso neste momento, com isto a acontecer”. Não me podem acusar de não ter tentado. Fio-lo ao fim-de-semana para tentar pagar contas mas continuei a pagá-las do meu bolso e isso é insuportável se não houver apoios do Governo ou da Câmara”.
O investimento num antigo atelier de de azulejo para o transformar num bar ultrapassou os 200 mil Euros. “Tive azar porque o covid veio manietar tudo o que tinha planeado para uma área que está completamente parada”, avalia Johnny Carrabau que não esquece os 13 funcionários de Ovar, Estarreja e Murtosa que ali trabalhavam e também ficaram parados. “Podia fazer eventos durante a tarde e enchia as mesas, mas depois tinha centenas de pessoas à porta que não podia deixar entrar e se zangavam comigo. Estaria a queimar-me a mim próprio e não vale a pena”.
Com o anúncio das novas medidas, “decidi fechar temporariamente para não arriscar mais”, mas frisa que é uma “pausa”. E explica: “É como se fosse um leitor de CD. Se carregares no pause, não deixa de estar a gastar a electricidade. Aqui é a mesma coisa: as despesas continuam a cair e têm que ser pagas”. É tudo estranho, porque “deixei de controlar o meu futuro”. O dono do Azulejo respeita as medidas do Governo, mas não percebe muito bem “porque limitam a vida a alguns e deixam que outros se mantenham a trabalhar. O vírus não entra no metro e nos comboios?” E alerta, a terminar: “A área da restauração precisa de apoio para pagar despesas de modo a aguentar o barco até ser possivel abrir outra vez”.
“Até um dia”
Se o Azulejo encerrou temporariamente, o Restaurante Alquimista fechou de vez após o cerco sanitário. Quando se viu obrigado a encerrar, o proprietário Renato Santos pensou sempre que iria reabrir, mas as dificuldades revelaram-se instransponíveis. “Levámos com o que se pode considerar três ‘pandemias’ em menos de um ano: obras à porta mal abrimos, depois veio a Covid-19 e, quando íamos reabrir, obras outra vez, porque as primeiras não ficaram em condições”, explica. Não chegou a apostar no ‘take-away’, porque “com o cerco instalado em Ovar não tinha quem me fornecesse os produtos com a qualidade que eu pretendia”.
Renato Santos, cujo restaurante tinha uma classificação de cinco estrelas na plataforma ‘TripAdvisor’, diz-se decepcionado com a postura do presidente da Câmara Municipal de Ovar- “fez umas 100 refeições por dia sempre no mesmo sítio durante o cerco, sem ajudar os outros restaurantes, e disse que vinha falar connosco quando viu que íamos fechar, mas até hoje nem uma palavra de conforto ou consideração”. Renato Santos deparou-se com um senhorio intransigente que “não baixou nem um cêntimo à renda”, pelo que, “mesmo com a porta fechada, as despesas foram as de sempre e a Câmara não ajudou ninguém com um tostão”. “Os restaurantes e o comércio em geral de Ovar estão a ser duplamente penalizados e não vejo ninguém com responsabilidades a falar nisso ou a defender-nos e tive de fechar definitivamente”.
Artigo de Luís Ventura in Diário de Aveiro.