O Centro Distrital de Aveiro da Segurança Social começou a notificar trabalhadores do concelho de Ovar no sentido destes devolverem dinheiro que alegadamente foi pago indevidamente. Os destinatários desta notificação estão revoltados, porque as verbas dizem respeito aos valores que terão sido pagos enquanto estava em vigor o estado de calamidade no Município de Ovar, que chegaram tarde, não foram pagos como prometido e agora sofrem uma nova redução.
A maioria dos ovarenses que receberam a notificação não percebem a que se refere a devolução. Uma das possibilidades aponta para que os pagamentos da cerca sanitária tenham sido feitos sem os descontos que são normais quando se trata de uma baixa médica e que estão a ser agora pedidos. Se for assim, continua a ser incompreensível, já que foi prometido um pagamento a 100%, lamentam vários ovarenses ouvidos pelo nosso jornal que já receberam a notificação de pagamento.
Outra possibilidade indica que se trata de um erro do próprio sistema da Segurança Social que, com tantas alterações, avanços e atrasos, gerou erradamente um pedido de reembolso indevido que estará a chegar, inclusivamente, a casa de pessoas que ainda não receberam um cêntimo do período em que se viram forçadas a ficar em casa devido ao cordão sanitário. Aguarda-se a justificação da Segurança Social que não tem estado contactável.
Carlos Santos (nome fictício, por receio de novos constrangimentos com a SS em represália) diz que só recebeu o pagamento do cerco no final de maio, quase mês e meio após o final dessa medida profilática, mas três semanas depois da transferência bancária do Estado já recebia “uma carta registada a pedir a devolução de 160 euros”.
Esse profissional vai contestar o pedido e afirma: “Eu até recebi relativamente a horas, mas sei que há gente aflita para pagar contas porque ainda não recebeu a segunda parte do cerco. A alguns ainda falta até a primeira parte! O que o Governo diz não bate cerco com a prática do centro distrital [de Aveiro da SS]. Pode-se ponderar a possibilidade de haver empresas que não deram entrada correta do processo [para sinalizar quais os trabalhadores que ficaram sujeitos ao cerco], mas a realidade é que os funcionários estão sem receber e que chegar à fala com a SS é muito difícil e moroso”.
Para a deputada na Assembleia da República Carla Madureira, eleita do PSD por Aveiro, a SS está a “pagar tarde a más horas”, deixando numa situação aflitiva famílias que, quase no fim de junho, “ainda não viram a cor do dinheiro” que lhes é devido pelo Estado pela paragem iniciada em março.
A situação demonstra o que considera ser uma particular insensibilidade do Governo PS para com casos como os de famílias “em que pai e mãe auferem o salário mínimo”, ficaram sem rendimentos durante o cerco e estão desde abril a lidar com o “atraso nos pagamentos das remunerações”.
Carla Madureira diz que essas falhas estão a prejudicar “talvez mais os trabalhadores por conta de outrem do que os independentes” e insiste que os cidadãos que se viram impedidos de aceder ao emprego devido às restrições para contenção geográfica da pandemia “não podem estar sem receber este tempo todo”.
A deputada rejeita o argumento do Governo de que só estará sem receber quem tem dívidas anteriores para com o Estado ou outros problemas burocráticos por resolver.
“Se a pessoa recebeu o pagamento da SS relativo aos primeiros 15 dias do cerco é porque tinha tudo bem, portanto, qual é a desculpa para depois haver problemas com a segunda quinzena?”, questiona.
O deputado do CDS-PP João Almeida também já abordou o tema no parlamento, alertando para os vários pedidos de devolução emitidos pela SS: “Já são tantos os casos que é preciso uma análise global para se perceber o que se está a pagar. Como é que a SS fez pagamentos às pessoas e tão pouco tempo depois está a pedir tantas devoluções?”.
Na sexta-feira, o secretário de Estado da Segurança Social, Gabriel Bastos, realçou que o montante a efetivamente pagar como compensação pelo cerco deve corresponder a “100% da remuneração líquida do trabalhador” e não à totalidade do seu salário bruto. Quantos às cartas requerendo devoluções, não deu uma explicação concreta, mas referiu que esses pedidos “não são feitos de forma manual” e antes emitidos “pelo próprio sistema [informático] e daí a necessidade de uma averiguação”.
Carla Madureira admite que as dezenas de pedidos de ressarcimento de que tem conhecimento possam dever-se à discrepância entre esses valores: “A SS pode ter pago a algumas pessoas 100% da remuneração bruta, sem descontos, e, como o previsto na lei era dar-lhes 100% só do valor líquido, já limpo, deve ser essa diferença que agora está a pedir para ser devolvida”.
Contactado na sexta-feira pela Lusa, o centro distrital de Aveiro da SS não respondeu às 16 questões remetidas para completo esclarecimento da atual situação dos pagamentos relativos ao cerco sanitário de Ovar.
(actualização às 13h15 de 23 de Junho com Lusa/Alexandra Couto)