Mutação genética do Coronavírus detectado em Ovar é única no país
Na esmagadora maioria das amostras do vírus associado aos casos de Ovar identificou-se uma mutação genética que não se encontra no resto do país.
Segundo um estudo do Instituto Ricardo Jorge, duas das mutações mais conhecidas (D614G e D839Y) estão presentes em mais de 15% dos vírus analisados (88.6% e 19.0%, respectivamente) em todo o país. Curiosamente, na mutação D614G, que caracteriza os vírus dos clades 20A, 20B e 20C, altamente representados na Europa, a mutação D839Y é exclusiva do sub-clade que inclui a grande maioria dos genomas detectados em Ovar.
Observa-se, pois, um grande cluster (“A2a1_PT”) constituído pela maioria dos genomas avaliados do concelho de Ovar. Este dado sugere que a maioria dos casos de COVID-19 nesta região tenha resultado de uma única introdução do vírus (início de Março), desencadeando uma grande cadeia de transmissão neste concelho. Este foco poderá estar relacionado com o foco inicial no concelho de Felgueiras e ter progredido para outros locais, em particular o distrito de Viseu, onde se detectaram já alguns genomas do mesmo sub-clade genético.
O Instituto Ricardo Jorge está a colaborar activamente com múltiplas Autoridades de Saúde Locais de forma a integrar dados epidemiológicos e genómicos e, assim, perceber, de forma mais robusta, os pontos de entrada e cadeias de transmissão a nível regional e local. Destacam-se, por exemplo, as colaborações com as equipas de Saúde Pública da região de Ovar, cujos resultados da análise do genoma revelaram já importantes pistas neste âmbito.
«Raramente vemos esta mutação quando fazemos comparações com as bases de dados [genéticas] públicas europeias», diz João Paulo Gomes, bioinformático e responsável do Núcleo de Bioinformática do Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge, citado pelo Público. Segundo os cientistas, a D839Y é uma “mutação marcadora”, uma vez que marca um determinado braço filogenético do vírus. Todos os genomas desse braço partilham essa mutação.
Ainda sem grandes explicações, João Paulo Gomes deixa duas perguntas: «Será que algumas pessoas em Ovar foram grandes focos de transmissão que originaram grandes cadeias de transmissão de forma rápida, o que fez com que o vírus com esta mutação fosse claramente dominante nos casos de Ovar?»; «Ou é uma mutação que confere uma vantagem selectiva [ao vírus] e uma maior transmissão?»
Ainda em declarações ao Público, o bioinformático sublinha que «não deixa de ser curioso que a esmagadora maioria desses genomas tenha essa mutação, o que faz supor que a entrada da infecção em Ovar tenha sido feita numa única entrada».
O mesmo investigador diz que “não há razões para alarme, porque esta mutação pode não ter qualquer influência na gravidade da doença ou na maior transmissão do vírus”.