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Pedro Damião está em confinamento numa Residência Artística

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  • «Ao contrário do que se possa pensar, ser ovarense não dá, simplesmente, o direito de ter apoios ou privilégios directos do erário público.»

Tal como o grande público, estamos mais acostumados a ver o Pedro Damião em novelas na televisão, mas o actor, formador e encenador vareiro está por cá nestes dias de desconfinamento. Mais concretamente na Casa Museu Júlio Dinis, em Ovar, num projecto em nome próprio, uma Residência Artística que questiona o que nos perguntamos muitas vezes: “As Palavras Estão Gastas. Porque Não Calarmo-nos de Vez?” Apesar de se manter ocupado no presente, antevê o futuro com com muita apreensão.
Fomos ao seu encontro e entrevistamo-lo, por e-mail, e o resultado é o que vos propomos a seguir e consideramos ser de leitura obrigatória.

O que vai acontecer nesta residência artística?
Falamos de uma Residência Artística a convite da Câmara Municipal de Ovar e Museu Júlio Dinis. Uma Residência Artística nos moldes normais, tais como são já conhecidas outras Residências que passaram por aquele espaço onde Júlio Dinis viveu. Esta Residência chama-se “AS PALAVRAS ESTÃO GASTAS. PORQUE NÃO CALARMO-NOS DE VEZ?” e tem várias particularidades que se distingue de todas as outras. A novidade é por ser uma Residência com a componente Teatro, mas como resultante da Escrita. A outra novidade é a possibilidade que cria à comunidade de poder assistir e participar no processo criativo, seja em formações paralelas aos diferentes momentos, como em ensaios abertos. Interessa-me, nesta Residência Artística, explorar o conceito do processo, a exposição ao erro, a fragilidade do actor, a contradição momentânea, tudo o que faz parte do tal processo criativo até chegar ao momento pleno de apresentação, do espectáculo propriamente dito. O público está habituado a ver, a ouvir, a ler uma obra de arte já finalizada e muitas vezes descura a curiosidade do procedimento de ensaios, pesquisas, etc. Para além disso, procuro debruçar-me sobre esta coisa estranha (para muitos de nós) que é o Silêncio e por oposição a Palavra. Onde existirá o equilíbrio?
Durante o período de trabalho até dia 31 de Outubro, existirão 3 momentos de apresentação de Vídeo/Teatro/ Performance (um deles já a estrear dia 18 de maio pelas 19h), 3 dias de formação, 2 momentos de ensaios abertos e a finalizar uma exposição de fotografia e outros materiais usados durante todo o processo.

Quando começou e onde e quando termina?
Bem, os trabalhos, para mim, começaram há já uns meses. Mas de forma “oficial” e com toda a equipa, arrancaram dia 11 de maio. Toda a acção terá foco no Museu Júlio Dinis (em datas já estipuladas), excepto o segundo momento de apresentação “EU QUE NUNCA FUI AUTOR DE NADA, TROCO A MINHA VOZ PELO TEU CORPO” que terá lugar no exterior, algures no centro da cidade de Ovar. As datas da Residência vão desde o dia 18 de maio com a primeira apresentação “Pedras na Boca” e vai até 31 de Outubro. Começam e terminam na Casa Museu Júlio Dinis.

No final, vai ser apresentado ao público? De que forma (dadas as limitações da pandemia)?
Na realidade existem vários finais. Toda a Residência está dividida por momentos e cada momento com artistas convidados. A forma como todos os momentos serão feitos e apresentados, estarão de acordo com as normas e indicações da DGS. Mas, por agora, mantemos as expectativas de que tudo seja apresentado como previsto. Para o primeiro momento “PEDRAS NA BOCA” (18 de maio), houve uma reformulação da forma como iria ser apresentado, dadas as limitações a que estamos a viver. As consequências desta pandemia levaram-me ao estagnar criativo, admito. O que seria um espectáculo de teatro com base em cartas de suicídio, passou a ser uma reflexão sobre mim próprio no processo de criação por forma a concluir este primeiro momento, o tal acto de criar que mais ninguém vê a não ser o “criador” e para quê criar algo se ninguém poderá vir assistir?, assim como a ideia de confinamento; alterando o formato para vídeo que será depois possível visualizar pelas redes sociais. E conta com a participação especial de alguns alunos de interpretação da Escola Profissional da Jobra, da Branca, em Albergaria-a-Velha.
O segundo momento “EU QUE NUNCA FUI AUTOR DE NADA, TROCO A MINHA VOZ PELO TEU CORPO” será num espaço exterior da cidade a acontecer dia 10 de Julho e com a presença da bailarina Ana Renata Polónia como artista convidada. Esperemos que seja apresentado presencialmente em “formato” Teatro/Performance. O terceiro momento “SEMPRE QUIS SER OUTRA COISA” conta com a participação do músico/ baterista já conhecido João Martins, dia 19 de setembro. O quarto momento, a exposição “RESQUÍCIOS” que conta com a participação do fotógrafo Daniel Mendonça, que irá desde meio de Setembro até 31 de Outubro. E o dia 31 de Outubro, que ainda estou a pensar na melhor forma de encerrar todo este processo.

Esta é uma residência artística especial por ser perto da sua… residência familiar?
Sim. É muito especial. Ovar foi onde nasci, cresci e vivo. Excepto onde me formei e onde trabalho. É importante saber voltar. E apesar de ser daqui, admito que me sinto estranho em fazer esta Residência cá porque, simplesmente, não sei que público irei ter.

É verdade que, apesar de ser ovarense, não tem tido muitas oportunidades para se mostrar em Ovar? Não é tão linear assim. Ao contrário do que se possa pensar, ser ovarense não dá, simplesmente, o direito de ter apoios ou privilégios directos do erário público. E mantenho-me a pensar desta forma apesar de já ter tido projectos recusados nos diferentes equipamentos da autarquia. Mas é verdade que ao longo dos anos, fui tentando mostrar-me com diferentes propostas. Sinto-me totalmente sincero em tudo o que faço e em tudo o que coloco dedicação. Não sou a pessoa indicada para responder sobre a falta de oportunidades em Ovar. Esta primeira oportunidade surgiu em forma de convite e eu agarrei-a com todo o gosto e como agradecimento por confiarem em mim. Tenho a agradecer ao espaço que me acolhe e a todos os envolvidos. Espero que seja o princípio de uma boa relação.

Este projecto surge nesta fase de desconfinamento. Foi em Ovar que ficou confinado por causa do vírus?
Sim. Foi em Ovar. Fiquei praticamente 2 meses em casa. Comecei esta quarentena no dia 12 de março. Apenas saía para comprar comida ou para ir a casa dos meus pais regar os Bonsai. Saí deste confinamento quando comecei a preparação desta Residência no dia 11 de maio.

Como foi viver a cerca sanitária em Ovar?
Da minha parte foi muito tranquilo. Levei tudo isto muito a sério. Confiei plenamente em praticamente todas as decisões tomadas pela autarquia. Como dever cívico, só podia ser desta forma. E até hoje nunca senti o estigma de ser vareiro, ovarense e nunca escondi de onde sou.
Houve dias complicados, mas pior teria sido se não o tivéssemos feito. Quero pensar assim. Apesar do cancelamento de espectáculos, adiamento de outros projectos, aulas a serem dadas via online, quero pensar que a cerca em Ovar e o confinamento do país foi o melhor que conseguimos fazer para o rápido regresso à normalidade.

O público está habituado a vê-lo em palco, em séries e novelas de TV. Além desta residência, tem projectos para quando as limitações se diluírem?
Espero que sim. Que apesar do confinamento tão longo, as pessoas não se esqueçam umas das outras. A curto e médio prazo, está previsto retomar as aulas na Escola Profissional de Artes Performativa da Jobra, onde lecciono a disciplina de Interpretação; e o projecto de teatro que deixámos no início, “Lorenzaccio” pelo Teatro do Bolhão em co-produção com o Teatro Nacional de São João a ser estreado em Novembro.

O que gosta mais de fazer? Teatro, TV, cinema?
Se fosse há uns anos atrás diria, unicamente, teatro. Mas ganhei o gosto pela televisão e pelo cinema. São coisas completamente diferentes e impossíveis de comparação. Outra coisa que tenho adorado fazer são as dobragens. Longe da representação, mais recentemente, dar aulas. Que é de uma exigência extrema e de uma responsabilidade sem fim.

Como vê os próximos tempos da actividade cultural em função da pandemia?
Vejo o caos ou próximo desse cenário. Antes da normalidade, vejo o desastre absoluto. De um Estado incapaz de dar resposta a todos os profissionais da área. Já durante a normalidade era como era. Só nos faltava isto para sermos atirados para o meio do oceano. Eu próprio estou sem respostas há mais de 2 meses e continuo a pagar as minhas contribuições. Tive a sorte de ter apoio de uma entidade privada e não tenho vergonha de o dizer. Do que tenho vergonha é de um Estado que não dá resposta a quem paga os seus impostos. A dúvida que se coloca, mesmo que voltemos em breve à normalidade é: quem quererá entrar numa sala fechada e ir ver um espectáculo? Apesar da sede de cultura, do contacto directo com a cultura, devemos ser ponderados. Aproveitar o que a tecnologia nos dá, mas sem nunca nos acomodarmos a ela. Quem vive da cultura, vive do contacto directo com as pessoas. E não podem ser 4 paredes que nos vão tirar o melhor da vida.

https://www.facebook.com/ovarcultura/videos/284882936239854/

Pedro Damião nasceu em Ovar. Tem o curso de Interpretação da Academia Contemporânea do Espectáculo (Porto). Entre o teatro e participações regulares nas séries e telenovelas dos vários canais, acaba de gravar o filme “1618” com a realização de Luís Ismael. Tem trabalhado em companhias como Teatro do Bolhão, Mau Artista, Teatro das Beiras, Art’imagem, Público Reservado, entre outros. Lecciona a disciplina de Interpretação na Escola Profissional de Artes Performativas da Jobra.

 

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