Que comece a dança no Centro de Arte de Ovar
A dança é uma das artes privilegiadas do Centro de Arte de Ovar e, esta sexta-feira, pelas 22 horas, sobe ao palco mais um espectáculo de excepcional qualidade, uma coprodução do CAO, no âmbito da Rede 5 Sentidos, “Lento e Largo” da dupla de coreógrafos e bailarinos Jonas e Lander.
A 24 de maio, “Brother” de Marco da Silva Ferreira chega ao Centro de Arte após ter passado por vários palcos do mundo. Em junho, no dia 15, a Companhia Paulo Ribeiro apresenta “Walkink with Kylián – Never Stop Searching”.
“Lento e Largo” teve a sua estreia no Festival Guidance 2019. Com um ambiente cénico baseado e influenciado pelo trabalho de Hieronymous Bosch, Jonas&Lander inscrevem performers robóticos e humanos para criar um apocalipse visual. Numa paisagem irreal, ambas as entidades irão socializar, dançar, beijar, ordenar e obedecer, de igual para igual. São explorados os limites de virtuosismo performativo, mais ou menos subtil, de cada performer.
A capacidade robótica de voar sobre a audiência contrasta com, por exemplo com a capacidade humana de beijar dilatando e esbatendo as fronteiras de acção de cada organismo. Estes robôs irão dar músculo a um universo absurdo vestindo e expondo materiais orgânicos como peles, escamas ou chifres inspirados na taxidermia pária de Enrique Gomez de Molina. Lento e Largo é uma qualidade específica da música clássica que descreve um determinado andamento e atmosfera inundados pela melancolia. A amplitude desta atmosfera influencia as acções e coreografias que podem transbordar do palco até os limites da sala.
“Brother” é uma criação para 7 intérpretes que estabelece uma relação de complementaridade com o anterior trabalho HU(R)MANO, que também esteve em palco no Centro de Arte de Ovar. Em ambos, o foco é a dança existente em contexto de grupo, mas descolam-se uma da outra nas referências temporais e nos processos de composição. Se em Hu(r)mano se abstractiza e se formaliza a dança contemporânea urbana, em Brother olho para uma ancestralidade comum e procuro pontos de afinidade e similaridade que sobreviveram às passagens geracionais e que estão reminiscentes nos corpos e na dança que ainda hoje se desenvolve.
“Brother” compõe-se através do mimetismo constante entre os intérpretes que é gerador de movimento, comportamentos e padrões. Desenvolve-se vocabulário não-verbal que se regenera e se transforma ao longo do tempo através de compromissos ou desbloquedores que individualmente cada um manifesta. Surgem e desvanecem pontes móveis entre o agora e o longínquo.
Paulo Ribeiro acredita que há coreógrafos que têm mão divina. Que revelam nas suas obras o que há de sobrenatural no humano e expõem essa revelação com uma evidência vital. Paulo Ribeiro acredita que o coreógrafo checo Jií Kylián é um anjo. Descobriu que a melhor maneira de se abeirar desse assombro seria dedicar-lhe uma peça, esta peça, Walking With Kylián. Never Stop Searching. Queria aproximar-se do homem por detrás da obra.
Mais: Queria aproximar-me da sensação que as suas peças me transmitem, dessa impressão de algo que se suspende no ar, uma linguagem mais esvoaçante, mais ágil e mais etérea. Ao mesmo tempo, tem uma densidade meio tribal, ritualística, e nesse sentido já se aproxima mais de mim. Jií Kylián nasceu na cidade de Praga em 1947 e é uma das referências maiores da dança mundial no século XX. Ao render-lhe tributo, Paulo Ribeiro parece olhar para o passado, mas se olharmos mais de perto percebemos que Walking With Kylián é uma peça onde o coreógrafo português não abdica do futuro. Ao caminhar com Kylián, ao trabalhar sobre as diferenças que os aproximam, Paulo Ribeiro dá mais um passo no sentido da sua própria reinvenção.