Há lama no Cais – Paulo Bonifácio
Tão somente aquele que terá sido o local mais importante das terras do Var, o nosso Cais da Ribeira, hoje, é só lama…
Até ao princípio do século XX, ainda se construíam no cais da Ribeira, barcos de grande envergadura (Fragatas e varinos) que seguiam ria fora, até ao mar, para o Tejo, onde depois acabavam de ser aparelhados.
O Cais da Ribeira data de 1754. Foi feito à custa da muita vinhaça que os Vareiros consumiam nas muitas tabernas, que proliferavam em cada esquina e onde afogavam as mágoas antes de, alguns, se afogarem no Nosso Mar. Era o cais de Ovar o intermediário do comércio, entre Aveiro, o Porto, e as principais terras da Beira, foi grande o seu movimento, operado por quarenta barcos, sobretudo no transporte do sal que se fabricava nas marinas de Aveiro. Depois do estabelecimento da linha férrea (1864), este movimento tem diminuído mais de meio por meio.
A ria, onde fizemos durante séculos a barcagem de milhões de passageiros e de toneladas de mercadorias e como azeméis os conduzimos depois, do cais da nossa Ribeira ao do Carvoeiro na margem esquerda do Douro e a V. N. de Gaia. O ano de 1864 marcou uma época. Fechou-nos a exploração comercial da ria e da recovagem com bestas. O comboio apitou na estação e muito interesse e algumas profissões acabaram.
Antes do caminho-de-ferro, muitos viajantes que faziam a jornada do Porto a Lisboa iam embarcar à Ribeira de Ovar para fazerem, em barco, o trajecto da Ria de Aveiro, mais cómodo e seguro, (por aqui teria seguido até Aveiro Júlio Dinis, não tivessem os encantos de Ovar o prendido por cá) «Cheguei a salvamento a esta terra, tendo engolido muito pó pelo caminho, petisco de que, nem por isso, fiquei gostando». Tomé Simões (contemporâneo de Júlio Dinis e antepassado ilustre da Família Dias Simões), recebedor da décima do Concelho, tinha, ao tempo, uma espécie de hospedaria junto ao cais donde saiam os barcos e nela fornecia um chá que ficou célebre entre os seus frequentadores.
Foi ali que ele se relacionou com os homens importantes dessa época. Fontes Pereira de Melo, disse que em Ovar não conhecia senão o Dr. Manuel Arala, e o Tomé Simões, que lhe dava um magnífico chá na Ribeira, quando fazia a viagem pela Ria.
Como não assistimos a toda esta actividade, alguns lembrar-se-ão, apenas, da azáfama provocada pelo espectáculo maravilhoso do transporte e descarga do sal, temos a agradecemos, por isso, aquilo que nos deixaram escrito João Frederico Teixeira de Pinho, António Baptista Zagalo dos Santos e o Professor Doutor Egas Moniz, Nobel da medicina, nosso vizinho de Avanca e bom amigo de Ovar.
Hoje a estação dos comboios de Ovar segue a degradação do nosso Cais da Ribeira!…
Paulo Gama Bonifácio
07.07.2017