As ideias moram em qualquer lado – Manuel Tavares
Nunca fui contra ou a favor do Ronaldo. Para mim o futebol é sobretudo um jogo de equipa e quando uma equipa não pensa assim está fadada a não ir longe.
No entanto das coisas mais injustas que li por aqui foi a de que o CR7 se quis substituir ao treinador depois daquele abandono dramático do relvado. Será que as pessoas não ouviram o próprio Fernando Santos pedir ao Ronaldo para gritar para dentro de campo quando a ele já lhe falhava a voz?
O que eu vi novamente, passados tantos anos, foi uma verdadeira equipa onde o próprio treinador se mistura com os jogadores e vice-versa sem ninguém usurpar as funções do vizinho.
Para que isso aconteça é preciso existir respeito e camaradagem, é preciso existir verdadeira fé no valor de todos e não crendice balofa, é preciso existir organização e empenho e não egocentrismo e “passerele”.
Nesse sentido é óbvio que a selecção representou para o país mais que uns rapazes a correr atrás de uma bola, representou tão somente que a humildade e sacrifício em prole de um objectivo comum não é algo que apenas fica bem dizer-se nas conferências de imprensa, mas é sim algo concreto e que pode trazer resultados nunca antes alcançados.
E o desporto tem obviamente poderosos elementos simbólicos senão porque razão não se identificariam claramente nas selecções nacionais elementos característicos do espírito do país que representam?
Quem não gostou de ver a coragem e empenho dos islandeses? A alegria e bravura dos galeses? O entusiasmo e atrevimento dos húngaros?
Penso que este foi claramente o europeu das nações e de como uma ideia pode ser forte ao ponto de conquistar desafios aparentemente intransponíveis.
E as ideias podem morar em qualquer lado! Não escolhem dono e são generosas para todos aqueles que as acolherem sem reservas no seu coração.
Voltando ao início acho que este ano vimos aquele que é justamente considerado o melhor do mundo a render – se a um ideal colectivo e nada poderia ser mais simbólico que uma final onde mesmo não jogando esteve sempre presente.
Foi também uma enorme lição para um povo que por vezes é muito individualista, que tem tendência para o culto da personalidade em detrimento da apologia da comunidade, que pensa que a grandeza é um estatuto e não uma forma de estar que se revela nos mais pequenos gestos, que regularmente se esquece que é nos momentos difíceis que deve ir buscar motivação para si e para os outros aos locais mais improváveis, que se envergonha amiúde das suas próprias qualidades vergando-se perante aquilo que devia combater.
Ronaldo, apesar de excepcional, foi mais um neste europeu. Estou convicto que para ele isso foi um alívio visto que não há estrela que brilhe sem um firmamento e se calhar foi isso também o que ganhamos … um pedacinho de céu para sonhar.
Manuel Tavares