Opinião

O Largo de São João de Ovar e o Dr. Domingos Lopes Fidalgo – Paulo Bonifácio

Em 1975 a autarquia deu ao Largo de S. João de Ovar a designação de Largo Dr. Lopes Fidalgo. Ele que em 1910 proclamou, em Ovar a quem tudo deu, da varanda dos Paços do Concelho, o novo regime e hasteou a bandeira republicana.

O seu largo, onde pelas mãos de um autarca foi mandado cavar um buraco única e exclusivamente para enterrar dinheiro que lá apodreceu como apodrecem as folhas que lá caem no outono, perdeu toda a beleza de antanho, não tendo qualquer função nem utilidade. O dinheiro lá enterrado foi desperdiçado… é o que acontece quando os autarcas é que sabem e a opinião do povo pouco interessa. Desfigurou-se o largo, assim se tem desfigurado Ovar, a mesma arrogância continua e nada se aprende com o passado…

Na dissertação final de curso, o jovem vareiro, republicano e democrata, de espírito irrequieto, que morreu como nasceu, pobre, mas honrado, dedicou o seu trabalho final à memória de sua mãe.

Mãe

Completou o curso de medicina em 1899, com a classificação final de suficiente, muito especialmente porque a sua tese, duma audácia implicativa para a época, desagradou ao júri, a todo o corpo docente e a certas autoridades, como nos diz Zagalo dos Santos.

Voltou a Ovar para fazer clínica e logo mostrou ser um carácter íntegro, despreocupado com os interesses materiais e dedicado aos seus doentes.

Serviu a grei, foi um precursor da verdadeira arte de fazer o bem pelo bem. De uma austeridade simples, irradiante, formativa de homens de carácter, diz-nos o Dr. António Luiz Gomes, filho, ilustre conferencista.

Ao longo da sua vida foi:
Presidente da direcção da Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Ovar.

Secretário do embaixador António Luís Gomes, no Rio de Janeiro. Serviu, ainda com o que viria a ser presidente eleito da República Portuguesa, Bernardino Machado.

Governador civil do distrito de Aveiro, de Leiria e de Lisboa.
Director clínico do hospital da Misericórdia de Ovar.

Capitão médico miliciano, como voluntário, onde em França combateu os alemães, durante a primeira guerra.

Chefe dos serviços de saúde na Campanha do Vouga.

Primeiro director da Escola Primária Superior.

Ilustre e dinâmico provedor da Misericórdia de Ovar.

Director do semanário local «A Pátria».

Em 23 de Fevereiro de 1928, publicava o Semanário de Ovar, A Pátria, que o Dr. Domingos Lopes Fidalgo, na nobilíssima missão de acautelar os interesses da Misericórdia Ovarense na importante herança com que o grande benemérito Alexandre de Sá Pinto, Esmorizense natural de Gondezende, a contemplou, embarcou no Sierra-Cordoba, para Buenos-Aires, como médico de bordo para não sobrecarregar a instituição, que tanto ama, com qualquer despesa.

O único sacrifício é ele, e são também os seus doentes que se têm de ver privados, durante a sua ausência, dos cuidados de médico distintíssimo.

Quem com ele privou, mesmo em tenra idade, recorda-se da pessoa maravilhosa que foi. Tinha o seu consultório no Largo de S. João, um consultório cheio de livros, revistas e jornais, até as cadeiras estavam ocupadas.

O largo onde passou a infância não tinha baloiço nem escorrega coloridos, mas para além de sombra… tinha vida. Hoje tem um buraco!

Paulo Bonifácio
05.05.2016

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