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Sara, a “heroína” ovarense do National Health Service

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  • No início, também em Inglaterra "não se compreendia a doença e também tive medo e me senti muito desprotegida.

Ela foi uma das “estrelas” do documentário “NHS Heroes”, exibido pelo Channel4, que parou a Inglaterra na noite de 6 de Maio e que mostra como é ser médico ou enfermeiro na linha de frente do Covid-19. Filmado por smartphone, ela protagonizou uma das histórias de bravura e dedicação incondicional dos profissionais do NHS – National Health Service (o equivalente ao nosso serviço Nacional de Saúde) no auge dessa luta.

“Ela” é a Sara Almeida, 28 anos, natural de Ovar e paramédica numa ambulância da cidade de Cambridge, a norte de Londres. O documentário foi como um “murro no estômago” dos britânicos, numa altura em que o Reino Unido vivia o seu pior momento da pandemia. “Na minha parte, procurei partilhar o que estava a viver em termos pessoais”, contou ao OvarNews. “Tentei demonstrar que o mais difícil era trabalhar com equipamentos de protecção da cabeça aos pés, em especial, quando nos deparávamos com doentes em paragem cardíorrespiratória”. Com excepção destes, “usávamos apenas máscara cirúrgica, avental e luvas”. Mas, no primeiro caso, “o calor, o cansaço e a desidratação eram tão fortes e tínhamos de interromper o socorro para ir beber água ou entrar na ambulância e ligar o ar condicionado para respirar”.

Sara no interior da ambulância

A participação de Sara no programa aconteceu depois de responder a um anúncio que pedia pessoas que estavam a trabalhar na frente da pandemia. “O que me levou a participar foi o facto de ser portuguesa e querer mostrar a dedicação enquanto profissional do NHS, apesar de não ser daqui, numa altura em que Ovar estava a passar pelo mesmo”. Sara faz uma pausa e continua: “Aliás, Ovar estava pior”. Ela vinca que esta “foi a primeira vez que estava a passar por uma situação em simultâneo com Portugal”, lembrando que “quando houve fogos em Ovar ou o Brexit em Inglaterra, o que se passava num lado não afectava o outro”.

Sara quis mostrar que estamos todos “no mesmo barco”, embora a viver a aventura de maneiras diferentes. “Eu também não tinha a minha família comigo, ou seja, a minha rede de suporte estava em Portugal mas, ao mesmo tempo, estamos todos a aprender uns com os outros”.

A pandemia em Inglaterra foi difícil, mas Sara conta que “Cambridge é uma cidade universitária, rodeada por uma cortina verde e, talvez por isso, não fomos afectados como Londres, por exemplo”. Depois, a paramédica vareira aponta o facto do “nosso hospital ser dos mais bem equipados, preparámo-nos bem e nunca chegamos perto do limite”. Mais uma vez, parecido com o que se passou em Ovar.

“Não foi tão mau”

“O meu trabalho, o Ambulance Service, o equivalente ao INEM, contratou logo muitos voluntários para fazer a desinfecção, os bombeiros passaram a conduzir as ambulâncias, o que não é prática em Inglaterra”. “A capacidade de resposta do nosso serviço duplicou e, apesar de temos de lidar com doentes covid-19, tudo correu bem”, congratula-se.

A percepção que tivemos em Portugal do que se passava em Inglaterra foi que estava a correr mal. “Sei que as noticias que chegaram aí era que aqui era um caos, mas não foi bem isso ou então foi da cidade em que estou, onde tudo se controlou bem”.

Quando é chamada para uma emergência, para Sara tanto faz que seja um doente Covid como não. “Entendo que é importante testar as pessoas, mas quando vou a um doente isso não é importante, porque vou tratar os sintomas. Se eles têm sintomas de pneumonia ou dificuldades de respiração, é isso que vamos tratar, independentemente de terem o vírus”.

É claro que não tem sido fácil, mas o tempo está a dar mais conhecimentos aos profissionais para lidarem com os doentes. Sara acompanhou com particular atenção, e algum orgulho incontido, a evolução da pandemia em Portugal. “Sinto que se conseguiu controlar a situação, mas também pelo medo que as pessoas tiveram e que as levou a acatar medidas bastante agressivas, ao passo que aqui, como temos um serviço nacional de saúde muito robusto, deixamos tudo chegar mais longe”.

No início, também em Inglaterra “não se compreendia a doença e também tive medo e me senti muito desprotegida. Por ignorância, sim, mas sentia-me desprotegida com o equipamento que tínhamos”. “À medida que fomos entendendo o virus, fui melhorando”.

Solidão pode matar

É que, em grande parte dos episódios que teve oportunidade de intervir, o pior “foi ver como a vida das pessoas que nem tinham o virus estava a ser tão afectada”. “Por vezes, estavam doentes, sem covid, mas vinham a falecer sozinhos, sem a família por perto. As pessoas idosas ficaram expostos a quedas e a mortalidade cresceu muito entre os mais velhos. Tive o caso de uma senhora que estava a cumprir o isolamento e quando a família lhe foi levar as compras, ela estava morta, provavelmente, devido a uma queda. Se estivesse em normalidade, não teria estado sozinha tanto tempo e não teria falecido, provavelmente”.

Outra situação que a perturbou foi o impacto do confinamento na saúde mental de ingleses e portugueses. “Cheguei a ir prestar auxílio a oito pessoas com ataques de pânico, na casa dos 30 / 40 anos. Muitas vezes, com problemas psicológicos provocados pela falta das suas rotinas, de ir ao café, de encontrar amigos, nem era a perda de empregos o pior”.

Em Inglaterra, um paramédico “é um pouco de tudo. O serviço das ambulâncias é reconhecidamente bom. Quem aqui trabalha é muito qualificado e então chamam-nos para coisas que em Portugal não chamam. Aqui, chamar uma ambulância é quase o mesmo que ir ao Hospital.

“Sara, de perto do Porto”

Sara acompanhou o caso do enfermeiro português que tratou Boris Johnson. “Toda a gente dizia que era o Luis, de perto do Porto e eu sou a Sara, também de perto do Porto”. “Mas não conheço o Luís, que sei que é de Aveiro. Fiquei orgulhosa, porque o NHS é feito em 30% por não ingleses e foi bom o reconhecimento, foi um orgulho”.

Também procurou acompanhei tudo o que se passava em Ovar. “Sabia de tudo através dos meus pais, mas o cerco preocupou-me muito, em especial a forma como eles iam lidar com essa realidade. Sabia que estavam bem e que o problema não era o vírus, mas antes a saúde mental. Foquei-me neles e fizemos muitas videochamadas, a falar de tudo, entre coisas sérias e muita brincadeira”. Sara tentou, mesmo à distância, ajudar os seus, sendo criativa, instigando-os a fazerem pinturas ou roupas. “Era o tal apoio mental que também reparti com os meus avós que vivem em Maceda”. A técnica de saúde ovarense defende que “nunca devemos subestimar o apoio do ponto de vista mental, pois foi uma altura em que sabíamos que estavam pessoas a morrer e algumas nossas conhecidas. A parte mental tornou-se tão ou mais importante do que o covid”.

Sara anuncia que vai participar na vacina experimental que está a ser preparada pela Universidade de Oxford. “Vou tomar a vacina experimental mas acho que uma vacina definitiva não está para breve”, diz, desassombrada. Por aquilo que vai ouvindo, “nem os próprios investigadores sabem se vai ser de longa duração ou se vamos ter de a tomar todos os anos. Depois, sabemos que muitos do que tiveram o vírus não estão a desenvolver anticorpos”. Sem querer ser pessimista, alerta que o importante “é perceber que vai ser preciso viver com o virus durante muito tempo. Vamos ter de aprender a viver com isto e adaptar a nossa vida em função dele. Estou a ser um pouco pessimista, mas também realista”.

A dura realidade da vacina

Embora lhe seja – também a ela, difícil admitir, a verdade é que “qualquer pessoa está em risco de apanhar o vírus porque ele está na rua e quem sair vai poder apanhá-lo. Não sei se vai haver uma segunda vaga, mas não acho possível dizer que daqui a dois ou três meses isto acaba porque o virus não vai embora”. Preocupa-a o facto das “pessoas estarem a relaxar nas medidas de protecção”. Os resultados da vacina serão publicados dentro de pouco mais de um ano.

Em simultâneo, Sara está a terminar o curso de paramédica. “Tenho muita sorte porque o NHS comparticipa o meu curso e dá-me folgas de duas semanas quando é preciso fazer exames e depois volto ao trabalho”. É como se fosse um acordo que se faz com o Governo através do qual “ele nos paga o curso mas depois ficamos a trabalhar durante dois anos em Inglaterra”.

Para Sara, isso não é problema porque gosta muito de estar entre os súbditos de Isabel II. “Sinto-me bem e querida. Aqui tenho mais oportunidades e não tenho intenções de voltar, embora tenha várias viagens marcadas para Portugal (risos)”.

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